
Secretários de Saúde que enfrentaram Bolsonaro vão se candidatar
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Impulsionados pela pandemia da covid, secretários da saúde de pelo menos nove Estados são pré-candidatos a deputado, pretendem concorrer a vagas na Câmara Federal ou em Assembleias Legislativas.
Somam-se secretários de saúde de duas capitais, Rio de Janeiro e Salvador, que já deixaram seus cargos para disputar as eleições.
Outros nomes podem surgir, pois termina em abril o prazo para a desincompatibilização eleitoral de quem ocupa posto público de chefia.
Autoridades sanitárias, mas também médicos que ganharam destaque na pandemia, alguns controversos, como ex-ministros e divulgadores do tratamento precoce, compõem listas que serão levadas às convenções partidárias.
Florada da estação, até cientistas de universidades públicas, que raramente entravam na briga por mandatos eleitorais, animados com a fama na mídia e a simpatia de parte da audiência, passaram a negociar com partidos filiação e apoio para eventual campanha.
O número de secretários que se lançaram é muito maior do que em eleições anteriores; são de sete partidos distintos, percorrem todo o espectro ideológico.
Não há mulheres na relação de postulantes, o que traduz a atual exclusão de gênero no primeiro escalão do SUS estadual e no espaço ocupado pela saúde nas casas legislativas.
Em eleições proporcionais, novos candidatos tendem a se apresentar como irrupções de conjunturas que lhes deram visibilidade.
Contudo, sem proximidade com a burocracia partidária e sem a bênção do governador ou prefeito, dificilmente se aprumam na disputa.
Entre os pré-candidatos, a formação em saúde pública é raridade, embora seis deles sejam médicos, além de três advogados, um engenheiro e um professor.
Alguns têm passagens por empresas, ou são de uma safra de gestores da saúde que operam maior participação do setor privado na esfera pública, na oferta de serviços, na administração de hospitais, na contratação de médicos e profissionais.
No Brasil, não é incomum políticos alternarem cargos na gestão do SUS com mandatos legislativos. Na volta, podem assumir em governos pastas que nada tem a ver com a saúde. Do Parlamento, podem continuar exercendo influência na indicação de cargos e recursos no Executivo.
Principalmente na Câmara Federal, há lobbies mais sedutores que a defesa do SUS, só lembrada anualmente na hora das emendas impositivas. No bloco dos parlamentares da saúde, existem os que garantem vitórias a entidades médicas, planos privados, indústria farmacêutica, Santas Casas e grupos de pacientes, mas quando se trata do sistema público por inteiro, é derrota atrás de derrota.
Um traço comum dos secretários da saúde aspirantes a deputado nas eleições deste ano é que não foram abatidos nos momentos de medidas impopulares ou de explosão de casos e mortes por covid em seus redutos.
Desenredo diferente tiveram secretários estaduais trocados em plena crise, como ocorreu em Minas Gerais e São Paulo, ou presos por desvio de dinheiro do combate à pandemia, no Distrito Federal, Amazonas e Rio de Janeiro.
Faz dois anos que Bolsonaro chamou a covid-19 de gripezinha, depois iniciou boicote à vacina e contou mil vezes a mentira que o STF proibiu o governo federal de agir, o que autorizou a negligência e a omissão de seus ministros da saúde.
Estados e municípios receberam créditos federais extraordinários, tiveram liberdade em compras e contratos, poder de restringir circulação, fechar comércio, ampliar leitos e testar a população, recursos nem sempre bem utilizados.
É difícil imaginar que administradores públicos da pandemia possam ser campeões das urnas. Tentarão se apresentar como secretários da guerra, mas sem registros gloriosos, ora tranquilizadores no momento indevido, ora dramáticos demais, ora justificando a ausência de medidas que eram imprescindíveis, ora culpando ou apelando a uma população exausta.
De olho em nichos do eleitorado que alimentam polarizações, o secretário que avalizou a decisão do governador de não decretar quarentena, ou o outro que não impediu um prefeito bolsonarista de distribuir o “kit-covid”, podem ser tão recompensados quanto os secretários de agora, mensageiros da vacina e da abolição das máscaras.
A politização da covid segue em alta, basta ver a pré-campanha dos candidatos-cloroquina, apostas de partidos da base de Bolsonaro como puxadores de voto em outubro.
A covid nos deixará lições, ao recordar o valor social das profissões da saúde, a importância da ação pública e o papel vital do Estado em nossas vidas.
A corrida de tantos secretários nas eleições deste ano não deixa de ser um legado dos esforços subnacionais e das genuínas tentativas de conter uma pandemia em tempos de desgoverno federal.
Mas ao que tudo indica, a representação política da saúde a partir de 2023 continuará descolada da relevância do SUS.