Sem apoio federal, Norte e Nordeste seguem estagnados
Foto: San Júnior/Uai Foto/Estadão Conteúdo
Passados quase dois anos da pandemia, as regiões mais pobres do Brasil ainda lutam para recuperar sua atividade econômica. Enquanto o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul do país já registram níveis de atividade superiores aos vistos antes da covid-19, o Norte e o Nordeste seguem com retração.
Para economistas ouvidos pelo UOL, a dificuldade de os estados do Norte e do Nordeste saírem da crise está relacionada a fatores como a menor diversificação produtiva, a redução de auxílios à população carente e o impacto da variante ômicron sobre o turismo.
Dados do Banco Central mostram que, de fevereiro de 2020 (antes da pandemia) a dezembro do ano passado, a atividade econômica cresceu 3,66% no Centro-Oeste, 2,69% no Sudeste e 1,77% no Sul do país. Na prática, estas regiões conseguiram superar a fase mais aguda da crise sanitária e suas economias já estão avançando.
No Norte e no Nordeste, porém, a atividade econômica ainda está em níveis abaixo do momento pré-pandemia. No período considerado, o Norte registra retração de 0,12% e o Nordeste apresenta queda de 2,43%.
Esses percentuais foram calculados com base no IBCR (Índice de Atividade Econômica Regional), do Banco Central. Medido em pontos, o indicador é uma espécie de prévia para o PIB (Produto Interno Bruto), considerando cada uma das regiões brasileiras. A lógica do indicador é a mesma do IBC-Br (Índice de Atividade do Banco Central), que mede a atividade para todo o país.
Veja os números para as regiões:
IBCR em meses selecionados (em pontos) Fevereiro de 2020: 171,63 (Norte); 143,45 (Nordeste); 171,76 (Centro-Oeste); 138,52 (Sudeste); 144,27 (Sul) Fevereiro de 2021: 169,53 (Norte); 140,11 (Nordeste); 169,87 (Centro-Oeste); 140,66 (Sudeste); 148,67 (Sul) Outubro de 2021: 170,58 (Norte); 140,50 (Nordeste); 174,62 (Centro-Oeste); 139,24 (Sudeste); 147,98 (Sul) Dezembro de 2021: 171,42 (Norte); 139,96 (Nordeste); 178,05 (Centro-Oeste); 142,25 (Sudeste); 146,82 (Sul)
Por que Norte e Nordeste estão atrasados?
O atraso do Norte e do Nordeste na recuperação econômica é explicado, em grande parte, pela menor diversificação econômica, na comparação com outras regiões.
A economista Augusta Pelinski Raiher, professora da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), explica que o Norte e o Nordeste possuem atividades econômicas ligadas em grande parte aos serviços, em especial o turismo. Com o avanço da covid-19 a partir de 2020 e, mais recentemente, da variante ômicron, a economia das regiões foi afetada.
O turismo foi fortemente abalado pela pandemia. É natural que o Nordeste não tenha se recuperado plenamente. A região litorânea tem atividades que exigem maior interação entre as pessoas. Assim, sua economia é atingida a cada pico da covid-19 Augusta Pelinski Raiher, economista da UEPG
Estudiosa do desenvolvimento regional, Augusta Raiher chama atenção ainda para o fato de, no Nordeste, a atividade produtiva estar limitada a algumas áreas principais.
“Existem ilhas de atividades produtivas no Nordeste. Não é como no Sul e no Sudeste, onde há homogeneidade”, afirma. “A estrutura produtiva é bastante localizada e não diversificada, o que faz com que a região não consiga os efeitos multiplicadores de emprego e renda.”
Essa concentração produtiva é verificada também no Norte: boa parte da atividade industrial está reunida na Zona Franca de Manaus. Nesta área, as indústrias vêm sendo prejudicadas pela interrupção na cadeia global de uma série de insumos.
A crise de abastecimento de insumos prejudicou a Zona Franca de Manaus. Os eletroeletrônicos dependem de condutores e chips. Se a indústria não possui os insumos, como vai produzir? Lucas Vitor de Carvalho Sousa, economista da Ufam
De acordo com o economista Lucas Vitor de Carvalho Sousa, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), os surtos de covid-19 também prejudicaram o turismo, uma importante fonte econômica para o Norte.
“A ômicron se expandiu e limitou as atividades que exigem relação social. De novembro a abril, por exemplo, ocorre no Amazonas a temporada dos cruzeiros turísticos, que chegam da Europa. Mas eles foram suspensos.”
Auxílios menores também pesaram
Os economistas ouvidos pelo UOL afirmam ainda que as mudanças ocorridas nos auxílios pagos à população carente, desde que começou a pandemia, ajudam a explicar a recuperação mais lenta do Norte e do Nordeste.
No auge da pandemia, em 2020, o governo federal chegou a pagar um auxílio emergencial de R$ 600 para a população com menor renda. Em alguns casos, o benefício chegava a R$ 1.200. Posteriormente, o benefício foi renovado, mas com valores menores (R$ 300 e R$ 600).
Em 2021, o auxílio deixou de ser pago por três meses, mas acabou voltando, com parcelas de R$ 150 e R$ 375 por mês. No fim do ano, ele deu lugar ao Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família), no valor de R$ 400.
Lucas Sousa, da Ufam, lembra que o Norte e o Nordeste são justamente as regiões mais pobres do país, que receberam a maior parte dos auxílios. “Em um primeiro momento, tivemos o auxílio emergencial de R$ 600 e, depois, o valor diminuiu drasticamente. Agora, nem todas as famílias recebem”, diz Sousa, em referência ao Auxílio Brasil. “A questão do auxílio na pandemia pesou fortemente para o desempenho destas regiões.”
No início da pandemia, o auxílio pago à população de baixa renda do Norte e do Nordeste foi fundamental para que atividades locais, como as do pequeno comércio, sobrevivessem. Com a mudança de valores, o impulso para a retomada diminuiu.
Agronegócio e indústria puxam recuperação em outras regiões
As regiões mais ricas do país retomaram os níveis de atividade pré-pandemia mais rapidamente.
O Centro-Oeste foi puxado pelo bom desempenho do agronegócio. O avanço dos preços das commodities no mercado internacional, na esteira da demanda por alimentos como soja e milho, fez com que a atividade econômica na região se recuperasse.
Mais diversificadas, as regiões Sudeste e Sul também já atingiram os níveis de atividade de antes da covid-19. Essas regiões foram favorecidas, em grande medida, pela indústria.
“A característica da estrutura produtiva de cada região é que está determinando esta retomada. Regiões que têm a agropecuária mais forte em sua composição conseguiram mais rapidamente a recuperação”, afirma Augusta Raiher, da UEPG. “Regiões com atividade produtiva mais diversificada também conseguiram a retomada mais rapidamente. Como o Norte e o Nordeste têm atividades concentradas, a recuperação é lenta.”
Recuperação desigual também nos estados
Os dados do BC mostram ainda uma recuperação desigual entre as unidades da Federação. Entre os 26 estados e o Distrito Federal, o BC calcula a atividade em 14 deles. Deste grupo, sete estados já recuperaram os níveis de atividade pré-pandemia e outros sete não.
Cinco estados que ainda não se recuperaram estão no Norte e no Nordeste: Amazonas, Pará, Bahia, Ceará e Pernambuco. A lista de estados com dificuldades é completada por Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Na outra ponta, Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul já registram atividade superior ao visto antes da pandemia.