Anitta, Taís Araújo e Porchat são alvos do bolsonarismo entre artistas
Foto: Valerie Macron/ AFP
Enquanto o governo do presidente Jair Bolsonaro atuava para impedir a instalação de uma CPI para apurar suspeitas de corrupção do Ministério da Educação, a base do presidente nas redes sociais voltou suas atenções e sua mira digital, no início da semana passada, para uma personalidade sem qualquer relação com o Congresso ou com as articulações da política tradicional: a atriz Taís Araújo.
A reação bolsonarista ocorreu após ela classificar a gestão do presidente como “quatro anos infernais”. O caso demonstra não apenas a força e relevância que celebridades e influenciadores digitais cada vez mais têm no debate político, principalmente nas plataformas digitais, mas como o meio artístico se transformou, a exemplo das Cortes superiores, em alvo preferencial do bolsonarismo. A estratégia tem diferentes propósitos: desviar o debate de assuntos incômodos e, ao mesmo tempo, ajudar tanto a mobilizar a base do presidente quanto a atingir eleitores que não integram o núcleo duro bolsonarista e estão atentos a agendas mais conservadoras.
Somente este ano, além de Taís Araújo, influenciadores e parlamentares alinhados ao presidente já impulsionaram ataques e campanhas contra nomes como os das cantoras Anitta e Pabllo Vittar e dos humoristas Danilo Gentili e Fábio Porchat. Antes disso, o youtuber Felipe Neto vinha ocupando esse papel com frequência. Na maioria das vezes, a reação ocorre após declarações críticas ao governo. Os ataques lançam mão principalmente de desinformações sobre a Lei Rouanet, lei de incentivo à cultura em vigor desde 1991 e que autoriza investimento privado com desconto em tributos para financiar iniciativas culturais.
No caso de Taís Araújo, a reação veio por meio do ex-secretário especial da cultura Mario Frias e do ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, mas não ficou restrita a eles. Um levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento de redes da Meta, aponta que perfis bolsonaristas concentraram a maior parte das postagens com maior engajamento no Facebook e Instagram sobre a atriz entre 11 e 13 de abril. Apenas as 30 publicações bolsonaristas com maior circulação somaram 270 mil curtidas, compartilhamentos e comentários, além de 852 mil visualizações de vídeo. Os destaques foram os deputados Marco Feliciano (PL-SP) e Carlos Jordy (PL-RJ).
Os ataques se estenderam ainda ao ator Lázaro Ramos, marido de Taís e diretor do filme “Medida Provisória”. Em entrevista ao “Roda Viva”, da TV Cultura, na última segunda-feira, Lázaro comentou a resposta bolsonarista, que classificou como uma “cortina de fumaça”:
— Isso é campanha política para chamar a atenção em cima de nós, que temos relevância e público. Isso vai tirar, inclusive, o foco dos problemas do governo. É uma cortina de fumaça, para as pessoas não debaterem os preços da gasolina, dos alimentos.
Outro alvo frequente do bolsonarismo é Anitta. Um levantamento do GLOBO em parceria com a consultoria Bites mostrou que, só na bancada bolsonarista no Congresso, 22 deputados e senadores publicaram postagens sobre a cantora no Twitter desde dezembro. De um grupo de 3,5 mil perfis de bolsonaristas influentes analisados, quase metade (1.678) atacou Anitta no período.
A cantora foi responsável por ampliar a mobilização de artistas nas redes sociais para que jovens de 16 e 17 anos tirem o título de eleitor. Uma de suas postagens sobre o tema, no dia 23 de março, teve quase 30 mil compartilhamentos no Twitter. No dia seguinte, com a repercussão do single “Envolver” e a mobilização para a música chegar ao top 1 no Spotify, a cantora pediu o mesmo empenho dos seguidores para que Bolsonaro fosse derrotado nas eleições deste ano.
“Guerra cultural”
Os ataques a artistas, em geral, abordam temas morais e envolvem a chamada “guerra cultural”. Um exemplo foi a mobilização contra o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, com Danilo Gentili e Fábio Porchat, falsamente acusado de fazer apologia à pedofilia. O mesmo discurso já foi mobilizado contra Felipe Neto.
Nem sempre, porém, a base bolsonarista tem conseguido dominar os debates. Um exemplo foi a campanha a favor da decisão do ministro do TSE Raul Araújo, que atendeu a um pedido do PL para proibir manifestações políticas no festival Lollapalooza, em São Paulo. A medida ocorreu após a cantora Pabllo Vittar levantar em seu show uma bandeira com a foto do ex-presidente Lula. Segundo análise da consultoria Arquimedes, 84% dos posts sobre o Lollapalooza no Twitter que citaram o TSE consideraram a decisão uma forma de censura.
Professor de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia e de Harvard, o pesquisador David Nemer destaca que artistas e influenciadores se tornaram alvos do bolsonarismo à medida que ocuparam um vácuo deixado pela oposição ao presidente, que tem mais dificuldade de se comunicar no ambiente das redes:
— A criação do inimigo funciona perfeitamente nas redes e serve para que a base bolsonarista continue viva. Quando esse inimigo está na mesma plataforma, isso se intensifica. Além disso, esses influenciadores têm um papel fundamental na comunicação com o eleitorado mais jovem, mais apegados a causas específicas.
Diretora do Internetlab, centro de pesquisa independente em direito e tecnologia, Heloisa Massaro avalia que muitos artistas se sentem responsáveis por se posicionar politicamente pelo momento de crise política, mas também porque são cobrados por seus públicos a se manifestar. Ela ressalta que esse movimento tem como pano de fundo a mudança no debate político, que passa a contar com uma participação maior nas discussões dos usuários comuns com a internet.
— É uma relação de dois lados. Há uma cobrança para se posicionar e, quando esse artista se posiciona e isso chega mais longe, há uma disputa de narrativas do outro lado, que vai tentar minimizar aquilo ou deslegitimar aquele posicionamento para defender o próprio posicionamento. Discordar é algo saudável e necessário para o debate público, mas o problema acontece quando há ataques que podem começar a silenciar as vozes, quando esses ataques colocam em risco a liberdade de expressão daquele artista e colocam em risco sua integridade física e psíquica, com o objetivo de deturpar o debate.
A atriz entrou na mira da base bolsonarista, após criticar o atual governo em entrevista recente sobre o filme “Medida Provisória, em que classificou o mandato de Jair Bolsonaro como “quatro anos infernais”. As 30 postagens de bolsonaristas, entre 11 e 13 de abril, com ataques a ela de maior impacto no Facebook e Instagram somaram 270 mil curtidas, compartilhamentos e comentários, além de 852 mil visualizações de vídeo.
A cantora já protagonizou uma troca de farpas no Twitter com o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e, mais recentemente, impulsionou uma campanha de incentivo para que jovens tirem o título de eleitor. Um levantamento feito pelo GLOBO em parceria com a Bites mostrou que, só na bancada bolsonarista no Congresso, 22 deputados e senadores publicaram posts sobre a cantora no Twitter desde dezembro.
Bolsonaristas saíram em defesa do pedido feito pelo PL que levou um ministro TSE a proibir manifestações políticas durante as apresentações do Lollapalooza, após a cantora Pabllo Vittar levantar, durante um show, uma bandeira com a foto do ex-presidente Lula. Segundo análise da Arquimedes, 84% dos posts sobre o festival que citaram o TSE consideraram a decisão uma forma de censura. Perfis bolsonaristas que comemoraram a proibição representaram apenas 16% das publicações.
Em 2020, o deputado bolsonarista Bibo Nunes (PL-RS) acusou Caetano Veloso e Chico Buarque de receberem dinheiro para apoiar governos petistas. No mês passado, a participação de Caetano em um ato com artistas em Brasília contra projetos de lei que afrouxam medidas de proteção ambiental também levou a base do presidente a atacá-lo.
Bolsonaristas impulsionaram uma campanha contra o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, com Fábio Porchat e Danilo Gentili no elenco. No Twitter, a base bolsonarista representou 45% das postagens e 56% das interações sobre o filme. Ao todo, o tema mobilizou 160 mil publicações na rede social entre 13 e 16 de março, segundo a Arquimedes.
O cantor da banda Detonautas virou alvo de bolsonaristas no início do ano após declarar viver “infelizmente” num país “onde a gente precisar trabalhar, precisa produzir e precisa de dinheiro”. Uma postagem do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com uma reprodução da fala do músico teve mais de 110 mil curtidas no Instagram.
Em novembro do ano passado, a cantora virou alvo de bolsonaristas após fazer um show em São Paulo. Apoiadores do presidente, inclusive parlamentares, críticos de medidas restritivas ao longo da pandemia, ressaltaram que houve aglomeração no evento.
A cantora foi atacada em dezembro após puxar coro contra Bolsonaro durante um show em Natal. Em resposta, bolsonaristas iniciaram uma campanha contra ela nas redes. O próprio presidente a citou numa entrevista no dia 5 de janeiro.
Em novembro, o ator entrou na mira da base bolsonarista após afirmar em entrevista ao programa “Roda Viva” que o presidente Jair Bolsonaro faz terrorismo no Brasil e que seus aliados são covardes.
Desde que passou a abordar temas políticos e a fazer oposição a Bolsonaro, o youtuber Felipe Neto se tornou alvo recorrente do bolsonarismo. Em 2020, bolsonaristas impulsionaram a hashtag #FamiliasContraFelipeNeto e ataques a Felipe Neto se espalharam em grupos favoráveis ao presidente no Telegram e no WhatsApp.