Ausência de Lei das Fake News estimula fabricação de mentiras

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Foto: Reprodução

No centro da disputa eleitoral de outubro e foco de esforços do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Câmara dos Deputados, que tenta aprovar projeto de lei sobre o tema, as fake news têm um desfecho variado na Justiça, segundo levantamento feito pelo GLOBO. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já condenou um deputado federal pela prática em 2020. Em São Paulo, houve decisão mandando um vereador pagar indenização ao agora ex-governador paulista João Doria. Em outros casos, porém, os ofendidos não conseguiram comprovar a prática de fake news, ou então o juiz entendeu que as declarações e notícias apontadas como falsas não podiam ser classificadas como inverídicas.

Na Justiça Eleitoral, já houve decisão em que o juiz argumentou que as pessoas não tinham como ter conhecimento de que o conteúdo poderia ser “sabidamente inverídico” e que o seu compartilhamento em grupos WhatsApp se dava num espaço restrito que não tinha capacidade de impactar o resultado nas eleições.

O GLOBO localizou três casos de fake news analisados no STF e recebeu da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) um levantamento com 15 ações que tramitaram ou tramitam na Justiça Eleitoral, das quais 14 da eleição de 2020 e um da pré-campanha de 2022. A PGE destacou que pode haver mais casos além desses.

Na avaliação do advogado Luiz Eduardo Peccinin, especialista em Direito Eleitoral, a Justiça ainda está aprendendo sobre o fenômeno das fake news, embora tenha evoluído e traçado alguns limites que considera importantes:

— O Judiciário, por exemplo, compreendeu que nem toda fake news é um fato inverídico, mas também pode ser uma narrativa manipulada ou descontextualizada. Também, importante lembrar que a tecnologia e as técnicas discursivas sempre irão evoluir e, com isso, o direito também deverá. O equilíbrio é saber deixar essa abertura sem prejudicar a segurança jurídica da sociedade, o que não é fácil em um tema que toca a todos diariamente — avalia Peccinin.

Em agosto de 2020, por unanimidade, a Primeira Turma condenou o deputado Éder Mauro (PL-PA) pelo crime de difamação, por adulterar e divulgar no Facebook um discurso do ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) para parecer que ele tinha preconceito contra negros e pobres. A pena, porém, foi baixa: um ano de detenção, convertida no pagamento de 30 salários mínimos. A Corte estabeleceu ainda pagamento de multa de 36 salários mínimos. Na época do julgamento, a defesa de Eder Mauro negou as acusações. Segundo os advogados, não há provas de que o réu tinha conhecimento da montagem.

Em agosto de 2018, o então ministro Marco Aurélio Mello negou uma liminar para revogar a prisão preventiva de um homem preso no Pará — havia a suspeita de crimes de associação criminosa, calúnia, difamação e injúria. Foram apreendidos na casa dele 17 embalagens de chips usados e 49 lacrados, aparelhos celulares e documentos com referência, escrita à mão, às fake news. Acredita-se que um grupo criminoso divulgava ofensas e falsas notícias na internet. Posteriormente, a defesa desistiu da ação no STF e ela foi arquivada.

Em junho de 2021 , o ministro Nunes Marques negou um pedido feito por um vereador para suspender a decisão que o condenou a pagar R$ 90 mil a João Doria quando ele era pré-candidato ao governo paulista. O vereador foi condenado na Justiça de São Paulo, que viu fake news na “massiva difusão e compartilhamento na mídia eletrônica (Facebook e Instagram), bem como por meio de aplicativo de mensagens instantâneas do WhatsApp, de textos e notícias de cunho ofensivo e calunioso”. Num post, foi divulgado que Doria responderia processo criminal, podendo ser preso.

No STF, a defesa citou trecho da Constituição que garante a “inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município”. Em sua decisão mantendo a condenação, Nunes Marques destacou que, segundo o TJ-SP, “as palavras proferidas pelo réu não se continham nos limites do exercício do mandato do Prefeito (Doria)”. A defesa apresentou um recurso, que foi negado.

Neste ano, há um caso de representação contra uma pessoa, da qual se conhece só o nome que ela usa no WhatsApp, que fez um vídeo com montagem em que um pré-candidato ao governo do Piauí convidaria pessoas para evento com o presidente Jair Bolsonaro.

Em alguns casos, os juízes até entendem que há termos ofensivos e determinam a retirada, mas não reconhecem divulgação de notícia “falsa”.

O Globo