Bolsonaro consegue enterrar CPI das fake news
Foto: Agência Senado
Paralisada desde o primeiro trimestre de 2020, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News deve ser enterrada sem chegar a uma conclusão. O presidente do colegiado, senador Angelo Coronel (PSD-BA), já avisou a aliados que não pretende reativá-lo. A relatora, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), também jogou a toalha e disse ao GLOBO não ver chance de a investigação ser retomada neste ano, quando a atenção dos parlamentares está voltada para a disputa eleitoral. Sem previsão para voltar em 2022, a comissão não pode continuar no ano que vem por causa de mudança de legislatura.
Instalada em setembro de 2019, a CPMI teve como objetivo apurar os disparos em massa de informações falsas que marcaram a eleição de 2018 e o uso orquestrado de perfis falsos para atacar agentes públicos e instituições. Nos cinco meses em que funcionou, teve como principal foco a atuação do chamado “gabinete do ódio” — grupo ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho 02 do presidente Jair Bolsonaro — , que alimenta a militância mais radical do bolsonarismo nas redes sociais.
Antes de a CPMI ser suspensa, nomes ligados ao bolsonarismo tiveram sua convocação aprovada, mas não chegaram a ser ouvidos. Entre eles estão Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo, o blogueiro Allan dos Santos, que está foragido nos Estados Unidos, além dos empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury.
O colegiado também acumulou um acervo de centenas de documentos, incluindo quebras de sigilos de perfis em redes sociais e a identidade de responsáveis pelas contas banidas pelo WhatsApp por espalhar fake news em massa durante o período eleitoral. Com o eventual enterro da CPMI, todo material juntado pela investigação ficará para o acervo do Congresso, já que a comissão ainda não tinha avançado a ponto de pedir indiciamentos para o Ministério Público.
São dois os motivos apontados para que a CPMI das Fake News não retome os trabalhos. O primeiro é o ano eleitoral. Parlamentares afirmaram que o foco deverá ser a disputa em seus estados. A participação na comissão exigiria uma atuação presencial que a maioria não está disposta a exercer daqui para frente. Composta por 16 cadeiras do Senado e 16 cadeiras da Câmara, há ao menos seis senadores titulares do colegiado que estão no último ano de seu mandato e vão disputar a eleição.
O segundo motivo citado para a CPMI não ser retomada é o fato de os governistas terem se reorganizado no Congresso e hoje terem maioria dentro do colegiado. Isso, na visão de parlamentares da oposição, poderia atrapalhar as investigações, já que os principais alvos são bolsonaristas e pessoas próximas ao presidente.
Além disso, há um entendimento, compartilhado pela cúpula da CPMI, de que a comissão perdeu força com o arquivamento das ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a chapa de Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) por disparos em massa na eleição de 2018.
— Com o arquivamento das ações, ficou um negócio vago nesta questão de 2018, que é onde ferveu a CPI — disse o senador Coronel.
Coronel foi um dos contemplados com repasses do chamado orçamento secreto, esquema montado pelo governo para destinar dinheiro público a parlamentares em troca de apoio no Congresso. O parlamentar recebeu R$ 47,3 milhões para indicar a seus redutos eleitorais no ano passado. Procurado, ele afirmou não haver qualquer correlação entre a verba e a decisão de não prosseguir com a CPMI:
— Eu solicitei as emendas pra vários municípios que eu represento na Bahia. Fui votado em 417 municípios, tive quatro milhões de votos. O meu mandato é para trazer benefícios para o meu estado. Então, as emendas a gente pede e cabe o relator colocar ou não. Não tem nenhum problema e espero continuar recebendo para que eu possa ajudar os municípios da Bahia.
Para Lídice, o governo conseguiu montar uma ofensiva para barrar qualquer iniciativa relativa ao combate às fake news. Ela cita como exemplo o fato de a Câmara ter rejeitado o regime de urgência do PL das Fake News, que propõe regulação das plataformas digitais no Brasil, com o objetivo de combater a desinformação e dar mais transparência à moderação de conteúdo feita pelas próprias redes.
— E sem maioria, não avançaremos —acrescentou.