Candidato de Doria ao governo paulista quer se diferenciar dele

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Foto: Bruno Santos/Folhapress

​​​Rodrigo Garcia (PSDB), 47, assumiu o Governo de São Paulo após a renúncia de João Doria (PSDB), em meio a uma crise no partido e a desconfianças em relação ao presidenciável tucano, que desistiu de desistir de sua candidatura ao Planalto.

Na quarta (30), Doria comunicou a Rodrigo que não renunciaria, o que atrapalharia os planos do vice de concorrer ao Palácio dos Bandeirantes no exercício do cargo. Aliados de Rodrigo consideraram o gesto de Doria uma traição.

Depois que Doria voltou atrás, nesta quinta-feira (31), e manteve o plano de renunciar, ambos almoçaram antes do evento de despedida e buscaram aparar arestas. Nos momentos de tensão, Rodrigo considerou se filiar à União Brasil, seu antigo partido, ou então nem concorrer —o que acendeu alerta entre tucanos.

O afastamento de Doria do cargo era questão central para Rodrigo porque, como mostrou a Folha, uma das principais preocupações de sua campanha é não se deixar contaminar pela rejeição do tucano que governou o estado nos últimos anos.

Tucanos ouvidos pela Folha admitem que a jogada de Doria, feita para se blindar das pretensões presidenciais de Eduardo Leite (PSDB-SP), deve deixar cicatrizes na relação entre Rodrigo e Doria. Outros minimizam e apostam que a questão está superada.

No evento de despedida, nesta quinta, num auditório repleto de prefeitos, Doria afirmou que São Paulo “teve o privilégio de ter dois governadores”, em um elogio a Rodrigo.

Os dois se deram as mãos e conversaram durante a cerimônia no palácio. “Gratidão é aquilo que sinto por você, amigo, colega, parceiro, leal, dedicado. Um raro caso onde um governador delega força, poder e autonomia para seu vice. Eu fiz isso consciente da responsabilidade e capacidade do Rodrigo”, disse Doria.

Rodrigo, por sua vez, afirmou que “o Brasil merece João Doria”. “Hoje não sou eu que tenho que brilhar, o momento é seu. Ninguém está aqui para te dizer adeus, mas até breve”, disse.

Além de se esquivar da impopularidade de Doria, que marcou 30% de rejeição na última pesquisa Datafolha, Rodrigo terá ainda que romper a polarização nacional entre PT e bolsonarismo para continuar à frente do Palácio dos Bandeirantes a partir de 2023.

Na eleição estadual, Rodrigo deve enfrentar Fernando Haddad (PT), que lidera as pesquisas e tem Lula (PT) como padrinho, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), representante de Jair Bolsonaro (PL).

​O atual secretário estadual da Fazenda, Henrique Meirelles, é cotado como possível candidato a vice de Rodrigo.

Rodrigo ainda aparece com baixas intenções de voto e é bastante desconhecido no estado. Seus aliados apostam, porém, que o jeito interiorano e o histórico de gestor público devem impulsioná-lo durante a corrida eleitoral.

Ele também conta com a máquina do Bandeirantes a seu favor, o que inclui distribuição de verba a deputados e a prefeituras por meio de convênios e obras. Estrategistas do tucano estimam que ele terá apoio da maior parte dos 645 prefeitos do estado.

Em ritmo de campanha, Rodrigo já vinha fazendo agendas separadas de Doria —ele intensificou as viagens ao interior, onde libera uma série de benesses e inaugurações.

Agora que Doria deve viajar o país, a tendência é que os dois se cruzem cada vez menos. As equipes de campanha, inclusive, serão separadas.

O time de Rodrigo até já tem um discurso pronto para rebater a tese de que Doria é padrinho político dele. O argumento é que Rodrigo atuou na gestão dos últimos quatro governadores tucanos, começando por Mário Covas (PSDB), e, portanto, não deve a Doria sua entrada ou ascensão na política.

Rodrigo costurou uma aliança ampla para apoiá-lo na campanha –inclui partidos como União Brasil e MDB, que têm uma aliança nacional com o PSDB, mas sem garantir que Doria seja o candidato a representá-la.

A chapa tucana deve ter a candidatura do apresentador José Luiz Datena (União Brasil) para o Senado.

O entorno de Rodrigo também afirma que a distância entre Doria e ele será marcada pela diferença de estilo —enquanto Doria curte os holofotes, Rodrigo é mais discreto.

As entrevistas formais e periódicas de Doria devem perder espaço para os chamados quebra-queixo, quando os políticos respondem aos jornalistas diretamente.

Por outro lado, políticos consultados pela reportagem avaliam que Rodrigo deve, sim, buscar o ativo eleitoral das entregas da gestão Doria —que vão da disponibilização da vacina à despoluição do rio Pinheiros.

Além de vice, Rodrigo ocupou a Secretaria de Governo e, na prática, atuou como gerente da gestão, além de se encarregar da articulação política. Por ele passam projetos prioritários, controle de gastos e parcerias com a iniciativa privada.

O perfil técnico é um aspecto que sua campanha quer explorar no intuito de torná-lo a terceira via viável em São Paulo, enquanto a terceira via patina no âmbito nacional.

Do outro lado, adversários apostam em intensificar a polarização. Pela primeira vez em 20 anos, petistas veem chances de que a vitória de Haddad encerre o domínio tucano no estado. Já Tarcísio é visto entre os oponentes como nome forte para o segundo turno.

Rodrigo não é um tucano puro-sangue. Em uma jogada de Doria para bloquear a candidatura de Geraldo Alckmin (PSB) ao governo, Rodrigo saiu do DEM, atual União Brasil, e foi para o PSDB.

Único registrado nas prévias estaduais, ele conseguiu se firmar com facilidade como nome tucano no pleito —Alckmin migrou para o PSB para compor a chapa de Lula como candidato a vice-presidente.

Apesar de atuar há anos nos bastidores do Executivo, Rodrigo também tem experiência no Legislativo. Foi deputado estadual pela primeira vez em 1998, aos 24 anos, em dobradinha com o então aliado Gilberto Kassab (PSD), com quem chegou a construir sociedades em empresas.

“Quem sabe sabe/ vota comigo/ federal é Kassab/ estadual é Rodrigo”, dizia o famoso jingle de campanha. Posteriormente, quando Kassab saiu do DEM para criar o PSD, ambos romperam.

O advogado nascido em Tanabi (a 500 km de São Paulo) tem São José do Rio Preto como base eleitoral.

Ele se reelegeu duas vezes seguidas para a Assembleia Legislativa, que presidiu de 2005 a 2007. Em 2010, foi eleito deputado federal e reeleito quatro anos mais tarde. Nesse período, porém, se licenciou da Câmara em diversas ocasiões para assumir secretarias do governo Alckmin.

Com bom trânsito político, Rodrigo não deve ter dificuldades na Assembleia Legislativa. A base do governo, inclusive, ajudou a emperrar CPIs que poderiam gerar eventual desgaste aos tucanos, ao explorar denúncias de corrupção em governos passados e irregularidades.

No exercício do cargo, Rodrigo deve conservar essa base de apoio, que constitui maioria e inclui partidos do centrão, excluindo apenas a esquerda e os bolsonaristas.

A saída de Doria também deve abrir espaço para que Rodrigo inclua nomes mais próximos a ele no governo e também acomode aliados. Até o momento, ao menos nove secretários devem deixar seus cargos para se candidatar, atuar em campanhas ou voltar à iniciativa privada.

Entre os secretários que devem deixar o governo estão alguns dos principais nomes ligados a Doria, como Rossieli Soares (Educação), Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional) e Rodrigo Maia (Projetos e Ações).

Itamar Borges (MDB), da Agricultura, também deixará o governo. Turbinada por um orçamento bilionário, a pasta tem distribuído tratores e equipamentos a prefeituras do interior.

Rodrigo tem participado de eventos dessa e de outras secretarias no interior, região onde pretende disputar o voto agro com o candidato de Bolsonaro, o ministro Tarcísio (Infraestrutura).

Além da ligação com Doria, da polarização e da baixa pontuação nas pesquisas, outro desafio da campanha de Rodrigo será responder a questionamentos sobre denúncias que citam seu nome e sua família.

Em 2019, a Folha revelou que o ex-presidente da OAS preso pela Lava Jato, o empresário Léo Pinheiro, disse ter autorizado o pagamento de R$ 1 milhão em espécie a Rodrigo para acelerar liberação de verba para obra da linha 4-amarela do metrô.

Respondendo à reportagem, Garcia disse que “não tinha tempo de comentar uma história sem pé nem cabeça”. “Em passado recente, fui vítima deste mesmo tipo de acusação e provei minha inocência”, afirmou.

Ele teve o nome citado na delação da Odebrecht, que apontava recebimento de R$ 200 mil em caixa dois, e na delação da Siemens, que falava em pagamento de propina. As duas investigações foram arquivadas no STF (Supremo Tribunal Federal) por falta de provas.

Além disso, o irmão de Rodrigo, o empresário Marco Aurélio Garcia, foi condenado no esquema conhecido como máfia do ISS (Imposto Sobre Serviços).

Folha