Condenação de Silveira divide especialistas
Foto: Evaristo Sá – 31.mar.22/AFP
O deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) foi condenado na quarta-feira (20) pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicialmente fechado por ataques feitos a integrantes da corte.
Além da imposição de pena, os magistrados também votaram para cassar o mandato do parlamentar, suspender os direitos políticos (o que o torna inelegível) e determinar o pagamento de multa de cerca de R$ 192 mil.
O caso é desdobramento dos chamados atos antidemocráticos, inquérito que colocou sob a mira do tribunal alguns dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL).
No dia seguinte ao da decisão da corte, Bolsonaro concedeu indulto ao deputado. O perdão concedido pelo mandatário, neste formato individual, é considerado raro, o que deixa os efeitos jurídicos do decreto incertos e gera divergências nas análises dos juristas.
Acionado, caberá ao STF analisar a constitucionalidade do decreto de Bolsonaro.
Entenda as incertezas em relação às quatro punições:
PRISÃO
A maioria dos ministros do STF votou por condenar Silveira a oito anos e nove meses de prisão.
O primeiro tema em debate no meio jurídico é se Bolsonaro poderia ter concedido o perdão da pena de prisão a um aliado político sob as justificativas de que a prisão dele representa uma afronta à liberdade de expressão e de que o presidente pode usar essa via jurídica para corrigir uma decisão de outro Poder, no caso o Judiciário.
Segundo parte dos especialistas em direito criminal e constitucional, esses motivos apresentados por Bolsonaro tornam o decreto inconstitucional. Dizem que para ser de acordo com a lei, o perdão deveria ter razões humanitárias, como uma doença grave ou terminal, como ocorre tradicionalmente.
Para a advogada Marina Coelho Araújo, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Bolsonaro buscou tomar o lugar do STF como instância de absolvição ao conceder o indulto, o que configura desvio de poder e viola a Constituição.
Mas outra corrente entende que a Constituição concede amplo poder ao presidente na definição do indulto, e não impõe limites para a medida.
De acordo com o advogado constitucionalista Ives Gandra Martins, “ninguém pode contestar. Ele [presidente da República] pode consultar outras pessoas para tomar a decisão, mas ele não é obrigado a consultar. É um poder absoluto que ele tem”.
Outra questão é quanto ao momento em que o perdão poderia ter efeitos na prática.
O texto do decreto de Bolsonaro estabelece que seja válido de imediato, independentemente da fase de apresentação de recursos por Silveira e da conclusão do processo.
Para parte dos especialistas, essa determinação do decreto não está de acordo com a lei, pois não se poderia perdoar uma pena que não é final e ainda pode ser revertida ou modificada mediante recursos. Segundo eles, esse trecho do decreto não será obedecido pelo STF, o processo continuará e o indulto só poderá valer quando houver uma pena definitiva, da qual não se possa mais recorrer.
Já a corrente que entende não haver limitações para o indulto presidencial defende que ele seja válido desde já, o que na prática levaria ao encerramento da causa contra o deputado.
O partido Rede Sustentabilidade apresentou ao STF na sexta sexta-feira (22) uma ação judicial contra o indulto de Bolsonaro, que na linguagem jurídica é chamada de ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), alegando “claro desvio de finalidade”. A ação foi distribuída para a ministra Rosa Weber, que será a relatora do caso.
CASSAÇÃO DE MANDATO
A maioria dos membros do STF votou pela cassação do mandato do parlamentar. A questão jurídica é se o indulto concedido pelo presidente poderia abranger esse ponto da condenação.
Uma corrente afirma que o indulto pode valer exclusivamente para livrar o beneficiado da cadeia.
Para a presidente do IBCCrim, o indulto individual não passa uma borracha na decisão judicial, “ele vai continuar sendo um condenado”.
Como o indulto deve ter um caráter humanitário, o perdão deveria ter efeito somente para que uma pessoa não sofra de forma desumana em uma prisão. Todas as outras consequências do ato do criminoso devem continuar sendo levadas em consideração, e as outras punições mantidas, de acordo com essa linha de entendimento.
Porém, parte dos especialistas entende que o benefício legal pode ser mais amplo, a partir da ideia de que o presidente tem poderes absolutos ao conceder o benefício.
No mesmo dia do julgamento do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apresentou recurso ao STF, em um caso de 2018 de outro deputado, para que fique definido que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.
SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS
O STF decidiu pela suspensão dos direitos políticos de Daniel Silveira, o que o tornou inelegível.
O decreto de Bolsonaro busca livrar o deputado desta punição ao determinar o perdão genérico em relação a penas restritivas de direitos.
A lógica da discussão sobre a perda do mandato vale também para inelegibilidade, ou seja, o indulto tem a função de aliviar exclusivamente a pena de prisão ou pode ser um benefício mais amplo?
Parte dos especialistas afirma que é aplicável ao caso a súmula 631 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), segundo a qual o indulto extingue apenas os efeitos primários da condenação, ou seja, a reclusão em regime fechado.
Assim, a inelegibilidade continuaria na lista das consequências em vigor mesmo após o indulto de Bolsonaro.
Há um entendimento de que a condenação do STF impede eventual candidatura de Silveira, pois a Lei da Ficha Limpa determina que, para a perda de direitos políticos, basta condenação por decisão colegiada.
Para Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), “indulto não é para elegibilizar quem se tornou inelegível. Inelegibilidade não pode ser afastada por indulto. É matéria político-eleitoral, não é matéria penal”.
Porém, há divergência também neste tema. De acordo com Ives Gandra “se eu perdoo a pena maior, automaticamente estou perdoando as penas menores. No caso do deputado Daniel Silveira, indultado em relação à pena maior que é a perda de liberdade, todas as demais deveriam cair”.
A professora da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto Eliana Neme diz que “a inelegibilidade do Daniel Silveira é consequência da decisão do Supremo. Se o decreto suspende todos os efeitos da decisão, ele determina a suspensão também da inelegibilidade que foi imposta”.
O parlamentar articula candidatura ao Senado. A palavra final sobre a possibilidade de Daniel Silveira sair candidato é do Judiciário. Isso deverá ser decidido no momento da análise do pedido de registro de candidatura, a partir de agosto.
MULTA
A corte determinou o pagamento de multa de cerca de R$ 192 mil.
Em seu decreto de indulto, Bolsonaro mencionou expressamente o perdão da multa aplicada ao deputado.
Esse ponto da condenação deve acabar sendo decidido a reboque dos temas da perda do mandato e da inelegibilidade, já que este assunto também se relaciona à possibilidade de o indulto presidencial ir além da pena de prisão.
Se prevalecer o entendimento de que o perdão deve permitir ao deputado manter o mandato e concorrer nas eleições, a multa também provavelmente será anulada.