Em ano eleitoral, inflação obriga maioria a cortar gastos
Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
A escalada dos preços fez o guardador de carros Rosenilton de Souza Borges, 38, mudar hábitos de consumo e cortar uma série de despesas. Ele diz que passou a deixar o automóvel na garagem para ir ao trabalho de ônibus, cortou a internet de casa e ainda substituiu a carne vermelha por frango e ovos.
“O carro só ligo de vez em quando para não perder a bateria”, afirma. “Na alimentação, o que mais pesou foi carne e óleo. Leite eu nem compro mais”, diz ele, que trabalha na região central de Brasília e vive em casa com a mulher e três filhos entre 12 e 17 anos.
Assim como Borges, mais da metade da população cortou despesas nos últimos seis meses diante dos preços em alta, de acordo com pesquisa encomendada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) à FSB Pesquisa.
Pelo levantamento, 54% das pessoas consideram estar em situação financeira muito afetada pela inflação e 64% cortaram o consumo de bens ou serviços nos últimos seis meses devido ao aumento de preços.
Os mais pobres são ainda mais afetados. Nas famílias com renda de até um salário mínimo, 63% dizem estar sendo muito afetadas pela elevação dos preços e 67% dizem ter cortado o consumo de bens ou serviços.
No recorte por produtos eliminados, encabeçam a lista itens não essenciais. Cerca de um terço dos entrevistados deixou de comprar materiais de construção (34% do total) e de ter TV por assinatura (29%) nos últimos seis meses.
Além disso, mais de um quinto das pessoas deixaram de consumir refeições fora de casa (24%) e de comprar eletrodomésticos ou eletroeletrônicos (23%).
A elevação de preços de combustíveis também tem levado a tanques mais secos. Quase um sexto (ou 15%) da população eliminou o consumo de gasolina, álcool ou diesel após a disparada do preço do petróleo em meio à guerra da Ucrânia.
Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da CNI, afirma que a inflação tira o poder de compra da população, diminui o consumo e afeta o resultado das empresas —gerando problemas em toda a economia.
“Com essa elevação dos preços, a gente vê uma queda no poder de compra das famílias muito significativo. A gente vê a taxa de emprego caindo, mas o rendimento real não acompanhando esse movimento”, afirma.
“É um perde-perde, porque o consumo é o grande motor da atividade. Então não tem ganhadores nessa história, a economia toda trava”, afirma.
Segundo ele, os dados mostram que os bens mais eliminados até agora são aqueles cujo consumo pode ser adiado. Mesmo assim, os resultados mostram que parte da população está em um cenário mais grave por cortar alimentos do cardápio.
Azevedo afirma que há sinais de arrefecimento nos problemas de fornecimento de matérias-primas –algo que permeou toda a crise da Covid-19 devido à interrupção das cadeias globais (por causa do fechamento de fábricas e outras atividades) e diminuiu os estoques de produtos.
Apesar disso, diz ele, a gradual normalização da cadeia pode vir em um momento em que as pessoas não tenham dinheiro para comprar. “Ao mesmo tempo em que há um começo de alívio no fornecimento de matérias-primas, fica mais evidente que começa a ter problemas na hora das vendas”, afirma.
Outro ponto de preocupação é a expectativa da população de que a inflação vai permanecer alta, o que também adiciona limitações às intenções de compras. Quase metade (43%) da população acha que o preço de bens e serviços vai continuar subindo muito nos próximos meses.
Em março, a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em 12 meses chegou a 10,54%. Ao permanecer em dois dígitos, o IPCA continua distante da meta de inflação perseguida pelo BC (Banco Central). O centro da medida de referência neste ano é de 3,50%. O teto é de 5%.
Segundo pesquisa Datafolha do final de março, 1 de cada 4 brasileiros afirma que a quantidade de comida disponível foi inferior à necessária para alimentar a família nos últimos meses.
Quanto mais pobre, mais a inflação de alimentos é percebida, pois habitação e comida consomem a maior parte da renda. Segundo estratificação do Datafolha, 53% das casas brasileiras atravessam o mês com menos de dois salários mínimos (R$ 2.424). Nelas, 35% acusaram falta de alimentos.
Levantamento da Rede Penssan ao final de 2020 (antes da disparada dos alimentos no ano passado e agora) mostrava que mais da metade (55%) dos brasileiros sofria de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve).