Metade da República se levanta contra o filho mais infame de Bolsonaro

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Foto: Pedro Ladeira – 27.nov.19/Folhapress

Entidades e políticos criticaram a publicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) que ironiza a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo, durante a ditadura militar.

Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa) foram algumas das associações a manifestarem repúdio pelo ato do parlamentar.

Políticos de diferentes partidos, como Ciro Gomes (PDT), Lula (PT), Simone Tebet MDB), Marina Silva (Rede) e Sergio Moro (União Brasil), também saíram em defesa da jornalista. Alguns partidos decidiram pedir a cassação do mandato do parlamentar.

Após repercussão, o parlamentar voltou a se pronunciar pelas redes. “Me odeiam, desejam a morte de minha família e agora pedem respeito e querem minha cassação por eu ter feito uma piada.”

“A verdade é que o povo já não conhece mais a verdade pelos olhos das Globo. Daí meus inimigos apelarem para o tapetão”, escreveu.

No domingo (3), Eduardo publicou a imagem da última coluna da jornalista e escreveu: “Ainda com pena da [emoji de cobra]”.

Míriam estava grávida quando foi presa e torturada por agentes do governo durante a ditadura. Em uma das sessões, ela foi deixada nua numa sala escura com uma cobra.

O filho do presidente também compartilhou, nesta segunda (4), um vídeo no qual faz críticas à imprensa.

Segundo ele, “sobre a questão da cobra, existe apenas a palavra da Míriam Leitão dizendo que isso ocorreu”.

No vídeo, que mostra manchetes de reportagens e colunas de vários veículos, incluindo a Folha, o parlamentar afirma que “se eles de fato se preocupassem com uma democracia saudável, com o combate ao discurso de ódio, eles não se indignariam com chamadas de jornais como essas?”.

“Não estão realmente preocupados com um tuíte que eu dei e que eu possa ter ofendido a Míriam Leitão, estão preocupados em sair como vítimas e colocar em mim a pecha de torturador, de ser extremista, quando na verdade é justamente o contrário.”

A Fenaj repudiou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro e disse que defende a imediata abertura de processo ético contra ele.

A entidade lembra que “não foi a primeira vez que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, tratou a tortura como uma prática banal e defensável. Também não foi a primeira vez que a jornalista Míriam Leitão foi desrespeitada pela família Bolsonaro, em sua história de militante e presa política”.

Ainda segundo a Fenaj, “passa da hora de os demais poderes constituídos da República brasileira agirem para garantir o Estado de Direito, com a punição cabível para autoridades que insistem em agir fora dos preceitos legais e democráticos”.

A federação pede “punição para os torturadores e para os que fazem apologia à tortura” e diz que “tortura é crime equiparado aos crimes hediondos e é imprescritível”.

“Nossa solidariedade à jornalista Míriam Leitão, às vítimas da ditadura militar e aos familiares das vítimas que não resistiram às torturas e sucumbiram nos porões dos cárceres”.

A Abraji também repudiou a agressão contra a jornalista. A associação diz que “causa indignação que um parlamentar, detentor de cargo e salário públicos, use sua voz para ofender mais uma vez a jornalista, citando de forma desqualificada e jocosa o período em que ela foi presa e torturada sob o regime militar”.

De acordo com a entidade, Míriam Leitão tem contribuído para o jornalismo há mais de 40 anos, “sendo uma das profissionais mais respeitadas do país”.

Segundo a Abraji, o ataque de Eduardo Bolsonaro, “notadamente defensor desse período sombrio da história do país”, causa indignação não só no meio jornalístico como no político e econômico.

Já a ABI afirma que “apologia à tortura é crime e quem a pratica deve se submeter aos rigores da legislação”.

A associação publicou um manifesto contra a apologia a tortura assinado por escritores, cientistas, jornalistas e artistas, com o intuito de prestar “total solidariedade” a Míriam Leitão.

Além das entidades jornalísticas, políticos de diversos partidos manifestaram repúdio pela agressão contra a jornalista do grupo Globo e pela alusão a tortura.

Nas redes sociais, o ex-presidente Lula (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente nas eleições deste ano, se manifestou sobre o caso.

“Minha solidariedade à jornalista Míriam Leitão, vítima de ataques daqueles que defendem o indefensável: as torturas e os assassinatos praticados pela ditadura. Seres humanos não precisam concordar entre si, mas comemorar o sofrimento alheio é perder de vez a humanidade”.

A senadora Simone Tebet (MDB), que também se apresenta como postulante na corrida presidencial, afirmou que a jornalista “é uma mulher de coragem, uma profissional gigante. É um símbolo de que toda mulher pode ser tudo o que ela quiser. Minha solidariedade por mais esses ataques inomináveis”.

Segundo ela, “tentar fazer piada com tortura é característica daqueles que não tem um mínimo de humanidade”. “Jamais vão conseguir reescrever a história. Ditadura nunca mais. O Brasil precisa cada dia mais de respeito e tolerância”, continua.

O presidenciável Ciro Gomes (PDT) afirmou que é difícil saber “quem é o pior dos torturadores. O que fere primeiro ou o que reacende a chaga da memória sempre aberta de um torturado”.

Segundo o ex-governador do Ceará, ao debochar de Míriam Leitão “o verme Eduardo Bolsonaro nos provoca esta sombria reflexão”.

Sergio Moro (União Brasil) afirmou que é inaceitável usar um episódio de tortura para atacar a jornalista. “A vergonha está no ofensor. Covarde é quem ofende mulher”.

A ex-senadora Marina Silva foi outra política a se manifestar sobre o caso. “Solidariedade a Míriam Leitão pela agressão ao ter seu sofrimento sob tortura, na ditadura, ironizado de forma cruel”, disse a também ex-ministra do Meio Ambiente.

De acordo com Marina, “sua força, história pessoal corajosa e exercício profissional relevante são barreiras que certamente a colocam acima desses ataques perversos e desqualificados”.

Folha