Novo dono do Twitter pode usar plataforma para ajudar Bolsonaro
Foto: Patrick T. Fallon / REUTERS
A compra do Twitter pelo bilionário Elon Musk criou expectativas no mundo inteiro sobre a possibilidade de mudanças nas políticas da plataforma. No Brasil, há preocupação com o impacto na campanha eleitoral. O empresário sinalizou menos controle e moderação de publicações na plataforma, o que pode abrir margem para a disseminação de fake news; autenticação de usuários para combater robôs; e a abertura do algorítimo, o que permitiria aos usuários entender a ordenação das postagens que aparecem em suas páginas.
Especialistas e juristas ouvidos pelo GLOBO não acreditam, no entanto, em uma guinada por parte da plataforma. Eles afirmam que o fim da moderação de conteúdo, por exemplo, poderia afetar a qualidade do serviço e espantar usuários. E que alterações na política da empresa podem ser questionadas na Justiça, obrigando-a a seguir as leis locais. No caso das eleições brasileiras, em outubro, há dúvidas sobre a concretização do negócio até lá.
Outro ponto destacado é que o Twitter assinou um acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no qual assume compromissos para prevenir interferências no processo eleitoral. Na avaliação de pessoas que acompanham o assunto, um recuo poderia afetar a reputação da empresa e levar a sanções, como ocorreu com o Telegram.
Professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e colunista do GLOBO, Pablo Ortellado disse não acreditar que o Twitter avance muito na redução da moderação, por temer prejuízo econômico com a perda de usuários, já que o ambiente ficaria “ainda mais agressivo e poluído”.
Para Ortellado, o impacto maior estaria na abertura do algoritmo. “Se cumprir a promessa de dar transparência ao algoritmo de ordenamento dos tuites, Musk vai mudar completamente a indústria. Vai ser difícil os concorrentes —Facebook, Instagram, TikTok — manterem os algoritmos fechados alegando segredo industrial. Essa medida é muito bem vinda”, escreveu ele em sua conta no Twitter.
Na segunda-feira, após o anúncio do negócio, Musk se manifestou em defesa da liberdade de expressão. “Liberdade de expressão é o seio de qualquer democracia funcional, e o Twitter é a praça digital em que tudo que importa para a humanidade é debatido”, escreveu o empresário.
O presidente Jair Bolsonaro, que já teve publicações relacionadas à pandemia excluídas pela plataforma, compartilhou a postagem, num sinal de aprovação. Em 2018, sua campanha foi acusada de utilizar mecanismos automatizados para enviar mensagens em massa, o que hoje é vedado pela legislação.
Fernando Neisser, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, porém, acredita que dificilmente o anúncio da aquisição do Twitter por Musk trará mudanças no cenário eleitoral brasileiro. Na avaliação dele, a concretização da operação deve levar tempo, pela necessidade de aprovação das autoridades regulatórias, e ser concluída até mesmo depois da disputa eleitoral brasileira, em outubro.
— Além disso, o Twitter assinou memorando de entendimento com o TSE, comprometendo-se a atuar firmemente no enfrentamento da desinformação. Voltar atrás nesse compromisso traria um risco reputacional alto demais. O exemplo do Telegram mostra que estar fora da órbita de colaboração com o TSE é insustentável.
Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP, Guilherme Amorim Campos da Silva afirmou que, no Brasil, a partir do Marco Civil da Internet, a possibilidade de punição de empresas levou à adoção de condutas e normativas mais responsáveis. Assim, uma eventual mudança na política de publicação de conteúdos, mensagens e compartilhamento de ideias no Twitter, por exemplo, terá de se submeter à legislação brasileira.
— As propostas buscam caminhar no sentido de as plataformas adotarem mecanismos ágeis de reparação ou correção de informação. Por exemplo: a partir da comunicação de infringência ou notícia da divulgação de conteúdo falso, adoção do prazo de 48h para comunicação às partes interessadas e eventual ação da própria plataforma, o que será, também, um meio de evitar responsabilização futura por eventuais prejuízos ocasionados a terceiros ou à coletividade.
Professor e especialista em assuntos da internet, Marco Sabino lembrou que Musk tem um perfil altamente concentrador: é presidente da Tesla e do conselho de administração, e ainda é controlador da empresa. Ele ressaltou que, nos Estados Unidos, essa concentração de poder é mal vista e pode mudar em relação ao Twitter.
— Musk prometeu dar mais transparência aos algoritmos, para as regras de moderação de conteúdo e disse que vai favorecer a liberdade de expressão, o que é algo em aberto e traz apenas indícios que são comemorados pelos bolsonaristas. Tudo vai depender da governança corporativa. Aí saberemos se será incrível, ou um retrocesso — disse Sabino.
Para Caio Machado, presidente do Instituto Vero, focado na construção de soluções para o combate à desinformação, há duas grandes barreiras para a implementação das promessas de Musk. A de ordem econômica se refere ao fato de que a moderação de conteúdo, segundo ele, serve para preservar a qualidade do serviço da plataforma. Para o especialista, se o Twitter se tornar mais permissivo a discurso de ódio e desinformação, verá uma parcela dos usuários debandar, o que pode comprometer os negócios da empresa.
A segunda barreira, segundo Machado, é que se quiser retroceder na moderação de conteúdo, Musk deverá encontrar resistência em autoridades judiciais em diversos países pelo mundo.
— O que o Elon Musk entende por liberdade de expressão não é o que está na Constituição de cada país. Essas mudanças podem ser judicializadas e as cortes vão querer que o Twitter obedeça leis locais — afirmou ele.
A pesquisadora Rose Marie Santini, coordenadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, é mais pessimista. Ela diz estar apreensiva com o risco de o Twitter recuar do acordo que tem com o TSE . Para ela, a falta de uma punição para descumprimento do pacto poderia incentivar um eventual rompimento.
— Foi um acordo muito mais diplomático do que qualquer outra coisa. Se o Twitter não cumprir, como as outas plataformas vão se comportar? Foi um acordo costurado a muito custo — disse Santini.