Redes bolsonaristas declaram guerra à Justiça Eleitoral
Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/15-03-2022
A sete meses das eleições, os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos seus ministros voltaram a ganhar fôlego entre perfis bolsonaristas em grandes plataformas de redes sociais. No YouTube e no Instagram, as menções às instituições e aos magistrados superam as referências ao principal rival do presidente na disputa eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e as citações aos demais pré-candidatos.
A centralidade dos tribunais no discurso acompanha a retomada do tom agressivo pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que, no último dia 31, aniversário do golpe militar, fez uma referência indireta aos magistrados e, em tom de ofensa, disse: “Se não tem ideias, cala a boca. Bota a sua toga e fica aí, sem encher o saco dos outros”.
O alerta sobre o direcionamento dos ataques à magistratura foi revelado por um levantamento feito pela pesquisadora em comunicação política Leticia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, que analisou 240 canais do YouTube e mais de 900 perfis do Instagram, todas contas bolsonaristas. Já a consultoria em monitoramento de redes sociais Arquimedes detectou o mesmo movimento no Twitter, onde as menções ao STF atingiram pico em março.
Os ataques às instituições, normalmente, adotam três linhas: colocar em xeque as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, minar as instituições como um todo, esvaziando o papel do STF, e atacar pessoalmente ministros e servidores da Justiça. No YouTube, os vídeos com menções aos magistrados e tribunais dispararam em fevereiro e março deste ano.
Em setembro do ano passado, mês em que ocorreram manifestações antidemocráticas com a participação de Bolsonaro, foram registradas 185 postagens com referências ao Judiciário entre canais bolsonaristas monitorados. No mês passado, foram 999 vídeos com menções ao STF, ao TSE e aos seus ministros, número mais de cinco vezes maior.
— Os ministros e os tribunais ganham maior relevância que os adversários políticos de Bolsonaro no pleito eleitoral. Esse movimento é uma tentativa de deslegitimar o processo eleitoral e as instituições. Essas narrativas vão minando a credibilidade das instituições e podem fortalecer o movimento, inclusive posterior às eleições, de questionamento do resultado do pleito — avalia Leticia Capone.
O levantamento aponta que, entre setembro e março, foram publicados 3.578 vídeos com citações aos tribunais e aos ministros em canais bolsonaristas no YouTube, com audiência de mais de 196 milhões de visualizações. O número supera as referências a Lula (3.555 vídeos), a Sergio Moro (1.819) e a Ciro Gomes (401). O mesmo é observado no Instagram.
Entre os ministros, o mais citado é Alexandre de Moraes (902 vídeos no YouTube), que é relator do inquérito que mira ataques às instituições democráticas e passou a ser alvo frequente de Bolsonaro e parlamentares aliados ao governo. Em seguida, estão Luís Roberto Barroso (554), que até fevereiro presidia o TSE, e Edson Fachin (151), que hoje comanda a Corte Eleitoral. O STF é a instituição mais atacada, com 1.504 vídeos. Já o TSE é mencionado em 467 postagens na plataforma.
No Twitter, por sua vez, foram contabilizadas quase 700 mil publicações sobre o STF e seus ministros entre os dias 29 e 31 de março, de acordo com dados da Arquimedes, o maior volume desde o início do ano. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro representaram 75% do debate na plataforma no período. As principais motivações do grupo foram a defesa do deputado federal Daniel Silveira (União Brasil-RJ), que resistiu ao cumprimento de uma decisão do STF para usar tornozeleira eletrônica na semana passada, e os ataques ao ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo pedido para instalar o equipamento.
No mesmo período, a oposição somou 25% do debate. Um dos destaques na plataforma foi a reação do ministro Barroso ao dia 31 de março, reforçando críticas à ditadura militar, após Bolsonaro elogiar presidentes da ditadura e subir o tom contra o STF em cerimônia no Palácio do Planalto.
— Esse tipo de ação coordenada ajuda a manter a base de apoiadores coesa e, ainda, esquenta os motores para as eleições, antecipando argumentos. Vale lembrar que Alexandre de Moraes também é presidente do TSE e tais ataques a sua pessoa hoje constroem um caminho “sólido” para possíveis questionamentos aos resultados das urnas — acrescenta Pedro Bruzzi, da Arquimedes.
Na sexta-feira, Fachin afirmou que a Justiça Eleitoral está sob ataque e a democracia ameaçada. Sem citar nomes, o ministro declarou que não vai “aguçar o circo de narrativas conspiratórias das redes sociais”, numa referência às acusações de fraudes, sem provas, envolvendo o sistema eletrônico de votação. A declaração ocorreu após Bolsonaro voltar a colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas.
A escalada de ataques contra instituições e os ministros nas redes coincide com mudanças de regras anunciadas pelo YouTube na semana passada para conter desinformação sobre o processo eleitoral. Pela nova regra, ficam proibidos vídeos com conteúdo enganoso afirmando que houve fraude nas eleições de 2018, além de alegações falsas de que os votos foram adulterados.
Um estudo do pesquisador Marcelo Alves, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, divulgado pelo jornal “Folha de S. Paulo” e pelo colunista Merval Pereira, apontou que o YouTube mantém no ar ao menos 1.701 vídeos com ataques ao sistema eleitoral e falsas acusações contra as urnas eletrônicas, com 67,7 milhões de visualizações.
Apesar da mudança de regra, a remoção desses conteúdos é lenta. A demora é explicada pelo fato de a maior parte dos vídeos que violam regras do YouTube ser detectada pela primeira vez por meio de sistemas automatizados. A avaliação interna é que o processo vai se aperfeiçoar com o tempo.