Câmara imita Bolsonaro e também abre conflito com o TSE
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm defendido que seja descumprida uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no caso envolvendo a tentativa de bolsonaristas de trocar o vice-presidente da Casa.
Se levado a cabo, um ato de Lira em desacordo com uma decisão judicial poderia se tornar uma nova fonte de atrito com o Judiciário, além de implicar em possível crime de desobediência por parte do presidente da Câmara.
Integrantes do Legislativo, no entanto, dizem que o TSE deveria rever o entendimento porque, segundo eles, não é competência do tribunal emitir ordens do tipo.
Conforme revelou a Folha, o PL pressionou o presidente da Câmara a retirar o ex-integrante da legenda Marcelo Ramos (AM) da vice-presidência da Casa e tentar emplacar um deputado da sigla no posto.
A ofensiva começou há cerca de um mês, mas foi intensificada após as críticas do amazonense à edição de decretos que reduzem o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e afetam a zona franca de Manaus.
O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em sua live semanal que pediu ao PL, seu partido, que destitua Ramos, que é seu opositor e trocou o PL pelo PSD de Gilberto Kassab.
Ramos recorreu ao TSE e conseguiu, no final de abril, uma decisão a seu favor, dada por Alexandre de Moraes, considerado pelo Planalto um adversário.
Na ocasião, Moraes determinou que o presidente da Câmara se abstenha de acatar qualquer deliberação do PL que busque afastar ou substituir o deputado da vice-presidência da Casa legislativa.
O ministro ainda terá que decidir sobre um recurso apresentado por Lira contra a decisão inicial. Caso o entendimento de que Ramos não pode ser afastado da vice-presidência seja mantido, líderes partidários alinhados a Lira apoiam que a medida não seja cumprida e que a Câmara resolva a situação conforme suas regras internas.
Na avaliação desses líderes, o Judiciário não pode intervir em uma situação “interna corporis”, ou seja, que deve ser solucionada internamente. Outros parlamentares ponderam, porém, que o objetivo real do discurso é pressionar Moraes ou o plenário do TSE a recuar.
Para um deles, a Câmara não tem que acatar decisão judicial que fira seu regimento interno e é preciso manter a separação de Poderes.
O argumento é parecido com o que vem sendo usado no episódio envolvendo o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a 8 anos e 9 meses de prisão e também a perda do mandato. Deputados defendem que apenas a Câmara pode cassar seus próprios integrantes, e não o Supremo.
No caso de Ramos, aliados do presidente da Câmara argumentam que o PL tem direito de reivindicar o cargo de vice. Eles embasam o entendimento no regimento interno da Casa, que determina que o membro da Mesa Diretora que trocar de partido perde automaticamente o cargo que ocupa. A vaga, então, é preenchida após nova eleição.
Tal regra é reforçada por um artigo da Lei dos Partidos, que também estabelece a perda automática de função ou cargo na Câmara do parlamentar que deixar o partido pelo qual tenha sido eleito. O objetivo é manter a proporção partidária.
Sob esse prisma, Lira teria que fazer novas eleições para preencher não só a vice-presidência, mas também a segunda secretaria, ocupada por Marília Arraes (PE) —que saiu do PT para o Solidariedade—, e a terceira secretaria, que hoje é dirigida por Rose Modesto (MS) —que trocou o PSDB pela União Brasil.
Ramos, no entanto, usa dois argumentos para defender a manutenção do cargo. O primeiro é que, em 2016, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PTB-SP, na época MDB-RJ), em resposta a um questionamento sobre o tema, decidiu que o termo “legenda partidária” poderia ser interpretado de modo amplo como “partido ou bloco parlamentar”.
Com isso, ele indicou que uma mudança de partido dentro de um mesmo bloco parlamentar não alteraria a representação proporcional da Mesa Diretora. Ou seja, como o PSD fazia parte do bloco de Lira na eleição para a atual Mesa Diretora, Ramos não seria afetado pela regra regimental.
O vice-presidente da Câmara também usa em sua defesa a carta de anuência enviada pelo partido de Valdemar Costa Neto na ação de desfiliação por justa causa. No documento, o PL diz que decidiu não utilizar as prerrogativas do artigo 26 da Lei dos Partidos —o dispositivo que prevê a perda automática do cargo em caso de troca de legenda.
Líderes partidários dizem que a situação do vice ficou mais complicada após Ramos ter entrado com ação junto ao TSE. Ao judicializar uma questão “interna corporis”, afirmam, o amazonense fecha a porta para uma solução conciliada.
Já Ramos diz que decidiu entrar com o pedido de liminar após entrevistas de Coronel Menezes, aliado de Bolsonaro no Amazonas e pré-candidato ao Senado, em que ele disse que o partido queria tirar o parlamentar do cargo de vice-presidente da Câmara.
Em meio ao mal-estar instalado, alguns deputados ainda avaliam que o TSE pode revisar o entendimento, em especial após a própria PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) emitir um parecer no qual diz que a disputa não é competência da Justiça Eleitoral.
Além disso, outros parlamentares dizem que, mesmo se o TSE mantiver o entendimento, Lira vai tentar evitar a crise institucional que seria criada se a Câmara desconsiderasse a decisão judicial para atender a um pedido do presidente Jair Bolsonaro.
Parlamentares lembram ainda que a Câmara é regida por acordos. Nesse sentido, houve negociações para trocas de presidência nas comissões permanentes. E, no caso específico de Ramos, foi feito um acordo com o PL para que ele permanecesse no cargo, acordo esse que seria descumprido se o vice fosse sacado do posto.
Caso Lira desconsidere a ordem do TSE, não seria o primeiro descumprimento de decisão judicial por parte do Legislativo. Em 2016, o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello decidiu afastar Renan Calheiros (MDB-AL) da presidência do Senado. O senador se recusou a assinar a notificação de afastamento e a Mesa Diretora do Senado manteve Renan na presidência. Na sequência, o plenário do STF decidiu manter o senador no comando da Casa legislativa.