Evangélicos progressistas tentam desfazer pecha de bolsonaristas dos evangélicos
Foto: Anna Virginia Balloussier/Folhapress
Evangélicos de esquerda não são um ornitorrinco ideológico e têm o dever moral de usar a mais cristã das armas contra o que definem como “projeto de morte” do presidente Jair Bolsonaro (PL): o amor.
É a proposta de uma ala minoritária no segmento religioso mais associado ao bolsonarismo.
Evangélicos, afinal, votaram em massa em Bolsonaro quatro anos atrás —estima-se que 7 em cada 10 fiéis tenham o escolhido no segundo turno de 2018. E parlamentares dessa fé formam uma das bancadas mais fechadas com o presidente.
“Eu senti vergonha de ser cristã. A igreja brasileira deu um show de horror”, disse nesta quinta (5) a reverenda Alexya Salvador, “travesti, preta, periférica” —e evangélica, apesar de boa parte dos pares de fé a rejeitar como uma anomalia pecaminosa.
“Foi vergonhoso olhar e entender que usaram essa parte tão importante do povo brasileiro”, continuou a líder da ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana), igreja inclusiva que acolhe sem ressalvas fiéis LGBTQIA+.
Estamos nesta noite entre evangélicos que contrariam uma generalização recorrente no Brasil —a de que esse grupo religioso é a face do conservadorismo nacional e abraça sem restrições o bolsonarismo. No último Datafolha, entre os evangélicos, Bolsonaro tem 37%, contra 34% de Lula (empate técnico).
O ato Derrotar Bolsonaro É um Ato de Amor, que também contou com a participação de outras religiões, ocupou a sede do sindicato paulista de professores.
Reuniu algumas poucas dezenas de pessoas. A transmissão ao vivo no YouTube foi ainda menor.
Antes da oração inicial, conduzida pela reverenda trans, os presentes ganharam uma bolsa de feira estilizada com a estampa da campanha Bolsocaro (“tá tudo caro, culpa do Bolsocaro!”). Camisas de Lula (PT) eram vendidas na entrada.
Expressões presentes em tantos protestos contra Bolsonaro, de “Marielle presente” a “desgoverno fascista”, ganharam companhia de salmos bíblicos e oratória de pregador.
“Sua verdade não é a do Pai, não há Bolsonaro que preste”, cantou NM MC, rapper cristão que finalizou sua apresentação pedindo: “Não permita que ninguém controle sua alma, sua mente”.
A frente fundiu grupos que se definem como evangélicos e progressistas, binômio demonizado por pastores bolsonaristas.
É só ver o que a Igreja Universal do Reino de Deus disse no começo do ano: “Se você se diz cristão e ainda vota na esquerda, há apenas duas possibilidades: ou você não segue realmente os ensinamentos do cristianismo ou os segue e ainda não entendeu o que a esquerda é verdadeiramente”.
O discurso pegou na comitiva pastoral próxima a Bolsonaro, com uma exceção que vale a menção.
Estevam Hernandes, fundador da Renascer em Cristo e apoiador do presidente, já afirmou à Folha achar a ideia uma bobajada. “O apóstolo Paulo fala que a graça de Cristo é multiforme. Às vezes as pessoas falam, ‘Deus não é de direita nem de esquerda, Deus é amor’.”
A força do movimento esquerdista é colocada em xeque pelas vozes de maior alcance no evangelismo nacional, todas de direita.
São líderes que estão há décadas nas TVs e que hoje acumulam milhões de seguidores nas redes sociais. Servem muitas vezes de bússola para pastores menores, que atuam de forma mais local e comunitária.
Não há nenhum pastor à esquerda com tamanha expressividade nas igrejas, uma figura que galvanize essa parcela da população como o fazem Silas Malafaia e companhia.
O que essa minoria progressista diz: ok, eles têm presença bem mais tímida no meio evangélico. Mas o que é o segmento senão uma rede pulverizada de templos, sem nada parecido com um Vaticano para ditar uma linha editorial única?
É aí que está: evangélicos são plurais e têm que ser vistos como tais, afirma o bloco.
Uma mesma fiel pode ser contra o aborto e a favor que o filho homossexual tenha direitos assegurados, pode se preocupar com o preço do botijão de gás e não gostar de um presidente entusiasta de armas que matam jovens em sua comunidade, pode ser fã dos programas religiosos da Record do bispo Edir Macedo, mas desconfiar do tom político adotado por bispos da Universal.
É preciso se fazer ouvir por essa massa evangélica que a direita bolsonarista vê como sua por direito, dizem participantes do ato.
“O projeto [de Bolsonaro] é totalmente incompatível com o projeto amoroso do Evangelho de Jesus”, e isso deve ser repetido sempre, afirmou em seu discurso o pastor Henrique Vieira. Ele é o representante mais conhecido do movimento, com vídeos de falas suas divulgados por Caetano Veloso e convite para dar entrevista no podcast do Mano Brown.
“Ele é o oposto de tudo o que a gente acredita”, disse a reverenda Salvador, em referência a Bolsonaro. “É a personificação do mal deste século.”