França quer distância do Brasil de Bolsonaro
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Com a reeleição do presidente Emmanuel Macron, a França deverá manter relação distante com o Brasil do governo de Jair Bolsonaro (PL), segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil. Uma eventual reaproximação dependerá do resultado das eleições presidenciais brasileiras em outubro e de uma mudança real na política ambiental do país.
“As relações entre os dois países devem se manter frias pelo menos até as eleições no Brasil. Se Lula for eleito em outubro, deve haver uma mudança importante na relação bilateral. A posição francesa em relação ao acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia poderá ser destravado com a chegada de Lula ao poder, desde que haja vontade política dos dois lados”, afirma Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e Caribe da universidade Sciences Po, em Paris.
Estrada acrescenta que, caso Bolsonaro seja reeleito, a tendência é a de que as relações entre os dois países permaneçam distantes, a não ser que haja uma alteração significativa na política de meio ambiente do governo brasileiro.
O especialista afirma que, no caso de um terceiro nome vencer as presidenciais no Brasil, hipótese que considera “muito improvável” em função das pesquisas espontâneas a seis meses do pleito, “qualquer nome seria melhor do que o do Bolsonaro” para reaproximar a França do Brasil, mas ressalta que o avanço efetivo nessa direção dependeria das propostas desse eventual terceiro nome.
Macron foi reeleito com 58,6% dos votos, enquanto sua rival, Marine Le Pen, da direita radical, obteve 41,4%, o melhor resultado já conquistado pela Reunião Nacional (ex-Frente Nacional) em uma corrida presidencial na França.
A votação foi marcada por uma forte abstenção, de 28%, a segunda maior desde 1969, além de mais de 8% de votos em branco e nulos. Na França, o voto não é obrigatório.
Macron não tem boas relações com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), que zombou da aparência da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, nas redes sociais, causando indignação no governo francês, e cancelou um compromisso com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, para cortar o cabelo.
Um forte ponto de atrito entre os dois chefes de Estado é o desmatamento da Amazônia, que já provocou várias trocas de farpas desde 2019, quando os incêndios na floresta ganharam destaque mundial.
No final do ano passado, Macron afirmou que a relação entre o Brasil e a França “já foi melhor” e ressaltou, em uma reunião do G20, a necessidade de ampliar a cooperação para a preservação da Amazônia.
O presidente francês também tem se recusado a avançar no processo de ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, firmado em 2019 após 20 anos de negociações, devido à política ambiental do governo brasileiro.
No único debate desta campanha presidencial francesa, realizado entre Macron e Le Pen, às vésperas do segundo turno, quando o frango brasileiro foi evocado pela líder da direita radical como um exemplo de concorrência desleal, Macron retrucou que a França se recusou a avançar no acordo Mercosul-União Europeia.
Essa postura francesa ocorre, segundo Macron, porque não houve respeito dos compromissos climáticos do Acordo de Paris, nem da biodiversidade e ressaltou que a Europa propôs medidas para lutar contra o “desmatamento importado”. Elas visam proibir a entrada no continente europeu de alguns produtos, como carne, soja, café e madeira, que provenham de áreas desmatadas.
A França (representada por Macron) comanda até o final de junho a presidência rotativa da União Europeia e espera obter um acordo sobre a proibição de importações ligadas ao desmatamento durante esse período.
A França também propôs, como lembrou Macron durante o debate na TV, incluir no acordo Mercosul-União Europeia a chamada “cláusula espelho”, o que na prática obrigaria os produtores do Mercosul a respeitar as mesmas exigências que são feitas aos agricultores e industriais europeus. Essa proposta francesa também precisa ser aprovada pelos demais 26 países-membros da União Europeia.
Macron foi criticado por sua política ambiental, vista como insuficiente e deixada em segundo plano por uma parte da população.
Para conquistar o eleitorado jovem, que preferiu majoritariamente no primeiro turno o candidato Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical, e eleitores da esquerda em geral, Macron prometeu no final da campanha presidencial tornar a questão uma prioridade de seu segundo mandato, que começa em maio.
Nesse contexto político, dificilmente o líder francês mudará de posição em relação ao acordo Mercosul-União Europeia enquanto o Brasil continuar registrando recordes de desmatamento na Amazônia, como ocorreu no primeiro trimestre deste ano.
Analistas estimam que mudanças na política ambiental brasileira só poderiam ocorrer se um novo governo sair das urnas nas eleições presidenciais deste ano.
Mas, se Le Pen tivesse vencido as eleições presidenciais, as relações comerciais com o Brasil poderiam recuar. Além de restabelecer controles de mercadorias na fronteira, mesmo que elas já tivessem sido inspecionadas em outro país membro, o que violaria o acordo de livre circulação de mercadorias, Le Pen também queria excluir a agricultura dos acordos comerciais firmados pelo bloco europeu.
Macron não teve uma relação próxima com outros países da América Latina. Ele só visitou a Argentina para uma reunião do G20 e não fez nenhuma visita oficial à região, apesar da maior fronteira da França ser entre a Guiana Francesa e o Brasil.
Bolsonaro não felicitou Macron por sua vitória na presidencial até o momento.
O Itamaraty divulgou uma curta nota no dia seguinte à eleição francesa cumprimentando o presidente francês e reafirmando “a disposição do Brasil de trabalhar pelo aprofundamento dos laços históricos que unem os dois países”.
Já os presidentes da Colômbia, da Argentina, do México e do Chile saudaram Macron, como também líderes de vários outros países, incluindo a Rússia.
Pré-candidatos às eleições presidenciais no Brasil, como João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), felicitaram o presidente francês. Atual líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou em redes sociais uma foto sua ao lado de Macron e o cumprimentou “pela ampla vitória nas urnas”, afirmando ainda torcer “pelo sucesso de seu governo.”
Lula foi recebido por Macron no Palácio do Eliseu em novembro passado com o protocolo oficial tradicionalmente concedido a ex-chefes de Estado.
Embora Lula não ocupe nenhum cargo público, eles discutiram no encontro temas globais e ligados ao Brasil, como os impactos sociais da crise sanitárira, a transição climática e a luta contra o desmatamento.
Marine Le Pen disputou sua terceira eleição presidencial pela legenda fundada por seu pai, Jean-Marie Le Pen, nos anos 1970. Ela foi derrotada, mas teve um desempenho inédito, ultrapassando 40% dos votos. É um avanço considerável da direita radical na França, afirmam especialistas.
Le Pen moderou seu discurso, embora tenha mantido em seu programa vários fundamentos do partido da época de seu pai. Ela conquistou cerca de 2,6 milhões de votos a mais do que em 2017 e ampliou seu resultado no segundo turno em quase oito pontos percentuais.
Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 22% dos votos, esperam agora conseguir um bom desempenho nas eleições legislativas de junho para impedir que Macron obtenha maioria parlamentar.
“Le Pen ganhou sua aposta, apesar de não ter vencido as eleições. Ela se projeta no horizonte dos próximos cinco anos (quando haverá uma nova disputa presidencial)”, diz o professor Jean-Jacques Kourliandsky, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas e diretor do Observatório da América Latina da Fundação Jean Jaurès, ligada ao Partido Socialista.
Segundo o analista, a alta taxa de abstenção nessas eleições presidenciais francesas mostra que há uma “disfunção grave da democracia” e que, se os eleitores consideram que não vale a pena votar ou que é melhor protestar votando, a oferta política não corresponde mais às expectativas dos eleitores e o sistema eleitoral não permite uma representação desse eleitorado.
Como o Brasil, a França também está dividida. Em seu discurso após a divulgação de sua vitória, Macron prometeu unir o país. Mas a polarização na França é sobretudo de ordem econômica.
As pessoas de maior renda, com maior nível de ensino e de grandes centros urbanos, além de aposentados de classe média e alta, optaram mais por Macron. Já as classes de menor renda, operários, desempregados e moradores de pequenas localidades rurais, além de agricultores, preferiram Le Pen.