Moraes treina paciência para presidir TSE

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Foto: Carlos Moura/STF

Para quem já foi chamado publicamente de xerife, já gritou que o disparo de notícias falsas pode dar cadeia e está sendo processado por abuso de autoridade pelo presidente da República, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), está mais calmo do que nunca. Não é por acaso. É um treino para a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cargo que assume em agosto – e que vai lhe exigir temperança e jogo de cintura.

Os preparativos não são fáceis para um ministro conhecido pela personalidade impulsiva e pelo uso, até mesmo no trato pessoal, de uma verborragia policialesca – características herdadas de suas experiências anteriores como promotor, presidente da antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), secretário de segurança e ministro da Justiça. Mas ele sabe que precisa largar esse estilo se não quiser inflamar ainda mais o clima que se desenha para as eleições de outubro.

Eleição vai exigir do ministro a paciência de um maestro

Moraes tem conversado com ministros veteranos que, no passado, tiveram de lidar com outras crises entre os Poderes. Divergências políticas e jurídicas à parte, há um consenso entre esses colegas: por mais difícil que seja manter-se tranquilo diante dos arroubos do presidente Jair Bolsonaro, não há saída senão adotar postura conciliatória, sob pena de tumultuar o próprio processo eleitoral.

O papel das Forças Armadas é um exemplo chave. Se Bolsonaro, temendo a derrota, usar um tom agressivo para insistir na participação dos militares na contagem dos votos, Moraes está pronto para respirar fundo e achar uma maneira firme, porém, serena, de responder. Sem o Exército para levar as urnas às regiões remotas do país ou para reforçar a segurança onde o número de agentes locais é insuficiente, as eleições podem se tornar um caos.

Some-se a isso o fato de esta ser a primeira vez, desde que foi indicado para o STF pelo então presidente Michel Temer, em 2017, que Moraes será a voz institucional de um tribunal. Até agora, ele tem sido apenas uma das “11 ilhas” do Supremo, jargão usado para definir os poderes individuais de cada ministro da Corte. No comando do TSE, haverá o peso da experiência coletiva, da responsabilidade de falar por todos os demais.

Na semana passada, Moraes, que vinha evitando falar de eleições para não desautorizar o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, teve uma prévia de suas atribuições. Designado para abrir evento comemorativo pelos 90 anos da Justiça Eleitoral, fez discurso protocolar. O mais próximo de um recado ao governo foi o trecho em que disse ser preciso “coragem para lutar contra aqueles que não acreditam na democracia”.

Não há dúvidas, nos bastidores da Corte, de que Moraes está animado com a oportunidade de mostrar uma versão mais “soft”. Há quem tenha notado que ele está mais imbuído desse espírito do que o próprio Fachin, em uma curiosa inversão de estilos. Ao subir o tom em seus discursos públicos, o atual presidente do TSE, considerado um magistrado erudito, ponderado e sensato, surpreendeu os colegas – inclusive, Moraes, que precisou aconselhá-lo a tentar ser mais político.

Se o plano “paz e amor” de Moraes está traçado para o TSE, não há como garantir o mesmo em relação aos processos dos quais ele é relator no Supremo. O ministro conduz, por exemplo, dois inquéritos dos quais Bolsonaro é alvo direto – o das “fake news” e o que apura ataques às eleições. Em ambos, há suspeita de envolvimento do presidente, junto à sua histérica base de apoio, em um esquema organizado principalmente pelas redes sociais para desestabilizar as instituições.

Também está com Moraes a relatoria da ação penal contra o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), outro ponto de atrito entre o STF e o Palácio do Planalto que está longe de acabar. Um dia depois de o plenário condenar o parlamentar a oito anos e nove meses de prisão, em regime inicial fechado, por atacar ministros do Supremo, Bolsonaro concedeu indulto para salvar o amigo do xadrez. O decreto, para muitos juristas, cheira a desvio de finalidade.

Diante da importância dos casos jurídicos sob a alçada de Moraes, seus colegas têm brincado, em conversas reservadas, que o ministro pode ter revelada a sua “dupla identidade”: sóbrio nas atividades institucionais do TSE, afiado nos despachos proferidos de seu gabinete no STF. Acontece que, para a sociedade, é impossível distinguir uma coisa da outra. Na avaliação de fontes dos dois tribunais, o ideal, em nome da estabilidade, é que Moraes padronize seu modo de agir.

Nesse aspecto, o ministro parece ainda não ter achado seu ponto de equilíbrio. “A internet deu voz aos imbecis”, disse semana passada, ao participar do Congresso Brasileiro de Magistrados em Salvador (BA). “Qualquer um se diz especialista, veste terno e gravata, coloca um painel falso de livros no fundo e fala sobre a guerra da Ucrânia, sobre o preço da gasolina, e sempre acaba atacando o Supremo”, desabafou, talvez porque o evento não estivesse sendo transmitido ao vivo.

Por outro lado, na sua mais recente decisão sobre Silveira, achou por bem fazer prevalecer o mais puro juridiquês. “A decretação da indisponibilidade dos bens destina-se a garantir o pagamento das multas processuais aplicadas em decorrência das violações às medidas cautelares impostas, de modo que estão plenamente atendidos os requisitos necessários para a referida providência”. Nenhum juízo de valor, como antes vinha fazendo, ao fato de o parlamentar ignorar por completo as ordens da Corte.

O desafio do ministro já está posto, e não é simples: calibrar os discursos, investir ainda mais no combate à desinformação e realizar eleições seguras e pacíficas, em meio a ataques pessoais e institucionais que não dão o mínimo sinal de arrefecimento. Um ex-presidente do TSE avalia que o cargo é como o de um maestro: exige paciência. Moraes vai precisar cavá-la dentro de si para garantir que todos – candidatos, eleitores, partidos, mesários, militares – toquem a mesma partitura.

Valor Econômico