Porque os assassinos da PRF estão soltos ainda?

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Foto: Reprodução

No artigo a seguir, o advogado Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado, pergunta: Por que os policiais que participaram desse crime não foram presos preventivamente? Segundo o articulista, “a ação policial se revestiu de crime hediondo devendo ser aplicado o artigo 312 do Código de Processo Penal”.

UM CASO GRAVÍSSIMO A SER INVESTIGADO ENVOLVENDO POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS

I – O FATO

Segundo o site de notícias da Folha de S.Paulo, “especialista ouvidos pela Folha apontam uma série de erros na abordagem de agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que resultou na morte por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, em Umbaúba (SE).

Na quarta-feira (25), Genivaldo, 38, faleceu depois de ser preso por agentes da corporação numa viatura tomada por gás lacrimogêneo.

A avaliação é que o gás lacrimogêneo não é próprio para contenção individual e pode ser letal se utilizado em ambientes fechados —como ocorreu no caso em Sergipe.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, destaca que “toda a abordagem foi atabalhoada e fora dos procedimentos”.

“Todos os manuais de segurança falam em uso escalonado da força. Os policiais, no limite, estariam autorizados a usar arma de fogo, seguindo a técnica internacional. Mas jamais o gás lacrimogêneo, que é para uso em massa, [para] distúrbios civis. É um erro técnico. Jamais pode ser usado em local fechado.”

Lima avalia que o fato de os agentes da PRF não terem armas de choque —como demonstra boletim de ocorrência obtido pela Folha— indica um problema institucional que coloca em risco os policiais e a sociedade durante operações.

“Se há falta de equipamento, a instituição falha. Não há fornecimento de serviço adequado, e o patrulhamento é prejudicado.”

Noticiou o site de notícias do jornal G1 Sergipe, em 26 de maio do corrente ano, que Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, que morreu durante abordagem de policiais rodoviários federais em Umbaúba (SE) no dia 25 de maio, tinha transtornos mentais e fazia uso de medicamento controlado, de acordo com familiares. Ele estava em uma motocicleta quando foi parado, imobilizado e colocado no porta-malas de uma viatura com gás.
De acordo com sua esposa ele sofria de esquizofrenia.

“Em nenhum momento ele exibiu força. Inclusive, na hora em que foi abordado, ele levantou as mãos e a camisa, e mostrou que não tava com arma nenhuma”, disse o sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, que presenciou o fato.

Em verdade, o ocorrido muito lembra episódios da época da ditadura militar onde o estado policial era a regra sem qualquer respeito aos direitos individuais. Isso em um país liderado pela extrema-direita que tem estima pela atuação de torturadores naquele período.

Fica a pergunta, ab initio: Por que os policiais que participaram desse crime não foram presos preventivamente?

A ação policial se revestiu de crime hediondo devendo ser aplicado o artigo 312 do Código de Processo Penal.

II – O HOMICÍDIO QUALIFICADO POR ASFIXIA E USO DE VENENO: A QUESTÃO DA TORTURA U

A princípio parece um homicídio doloso qualificado a ser investigado em todas as circunstâncias de autoria e materialidade.

O homicídio é a supressão da vida de um ser humano causada por outro.

Não se exige qualquer especifica qualificação do sujeito ativo do crime, quando é praticado por ação. Quando por omissão deve o sujeito ter condições pessoais para tal (crime próprio).

O sujeito passivo é qualquer pessoa.

É perfeitamente possível a tentativa em homicídio doloso.

A asfixia não é meio, mas sim forma (cruel), como ensinou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial – artigos 121 a 212 – 7ª edição, pág. 58) de provocar a morte, que pode ocorrer, seja através de certos modos de execução. A asfixia resulta de obstáculo a passagem do ar através das vias respiratórias ou dos pulmões.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 588), trata-se de supressão da respiração, que se origina de um procedimento mecânico ou tóxico.

Para Mirabete (Manual de Direito Penal, volume, II, 21ª edição, pág. 39), a asfixia- impedimento da função respiratória – é também meio cruel e pode ser conseguida por esganadura (contrição do pescoço da vítima com as mãos), enforcamento (contrição do próprio peso da vítima), estrangulamento (contrição muscular com fios, arames, cordas etc seguros pelo agente), sufocação (uso de objeto como travesseiros, mordaças etc), soterramento (submersão em meio sólido), afogamento (submersão em meio líquido) ou confinamento (colocação em local em que não penetre o ar).

Mirabete nos adverte que o emprego de substâncias tóxicas pode causar asfixia, mas o delito já poderá ser tido como qualificado pelo emprego de veneno.

O envenenamento ou intoxicação aguda ocorre quando uma pessoa inala, entra em contato direto com a pele ou ingere alguma substância tóxica.

Ensinou ainda Heleno Cláudio Fragoso:

“O conceito de veneno é relativo. Várias substâncias podem ser remédio ou veneno, dependendo da quantidade ou modo utilizados. Entende-se por veneno qualquer substância mineral, vegetal ou animal que, introduzida no organismo, seja capaz de causar perigo de vida, dano à saúde, através de ação química, bioquímica ou mecânica. Veja-se a definição que apresentava o CP de 1890, art. 269, parág. único.

Não há por que restringir o conceito de veneno às substâncias capazes de ser absorvidas pelo organismo. Os venenos podem ser gasosos ou voláteis, bem como substância de origem mineral, vegetal ou orgânica. São venenos os gases tóxicos, os ácidos e álcalis cáusticos, mas nesta categoria se incluem também o vidro moldo e os germes e suas toxinas.

Só haverá homicídio qualificado por envenenamento, caso o veneno seja ministrado à vítima de maneira insidiosa ou sub-reptícia, sem o seu conhecimento. O envenenamento violento não constitui homicídio qualificado, devendo ressalvar-se a possibilidade de que constituía meio cruel.”

Para muitos, o crime enfocado pode ser identificado como tortura.

A tortura é o meio cruel por excelência, revelando culpabilidade extrema. Consiste na aflição de suplícios ou tormentos que obrigam a vítima a sofrer inutilmente antes da morte (RF 224/316).

OS LIMITES ENTRE O DOLO EVENTUAL E A CULPA

Mas, por outro lado, poderá a defesa pedir eventual desclassificação para o tipo culposo, alegando imprudência por parte dos policiais.

Prevê o artigo 121, § 4º, do anteprojeto do Código Penal, que se o crime é culposo a pena é de prisão de um a quatro anos. Aumenta-se a pena máxima in abstrato, que hoje é prevista em três anos de detenção.

Como tal é possível, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95, a possibilidade de oferta do benefício de suspensão condicional do processo, o sursis processual.

O crime de homicídio culposo foi inserido nas Ordenações Filipinas que dispunham: ¨Se a morte for por algum caso, sem malícia ou vontade de matar, será(o agente) punido ou relevado, segundo sua culpa ou inocência que no caso tiver¨(Liv. I, tít. 350).

O Código Penal do Império não tratou do homicídio culposo, mas a Lei nº 2.033, de 29 de
setembro de 1871, em seu artigo 19, punia como homicídio involuntário o praticado por imprudência, imperícia ou falta de observação de algum regulamento.

Da mesma forma, o primeiro Código Penal da República, de 1890, artigo 297, reconhecia a culpa na inobservância de uma disposição regulamentar, fórmula que foi considerada pela doutrina abandonada pelo Código Penal de 1940, e que, para estudiosos como Costa e Silva, constituía uma repugnante presunção.

Nos mesmos termos do Código Penal de 1940, em sua parte especial, observa-se que há o homicídio culposo quando o agente causa a morte de alguém, por ter omitido a cautela, a atenção ou diligência dita ordinária a que estava obrigado, em face das circunstâncias, sendo-lhe exigível na atuação concreta um comportamento atento e cauteloso.

Trata-se de um crime de dever, pois se caracteriza por uma violação do dever de cuidado.
Como tal não se admite coautoria ou autoria mediata nem atuação dolosamente distinta e ainda participação.

Como disse Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Forense, Rio de Janeiro, parte especial (artigos 121 a 212, 7ª edição, pág. 62), a lei não prevê a conduta típica de homicídio culposo, em termos de ação ou omissão, punido apenas a causação do resultado morte, qualquer que seja o comportamento adotado pelo agente.

Da mesma forma o tipo adotado no Anteprojeto do Código Penal é aberto, registrando-se que se está diante de uma ação que denota desatenção a cuidado e a diligência, ordinária ou especial, a que o agente estava adstrito, causando o resultado.

Pode haver concorrência de culpa entre a do agente e da vítima de forma a atenuar a reprovabilidade da ação, a influenciar na aplicação da pena. Diga-se que a culpa recíproca não exclui a responsabilidade (RT 480/384).

De toda sorte se diz que a culpa do agente não se compensa com a da vítima, que só exclui o nexo causal quando por si só produziu o resultado.

Disse bem Aníbal Bruno (Direito Penal, parte geral, Tomo II, 1967, pág. 83) que o que é essencial na culpa é o momento consciente inicial, é a posição contrária ao dever que aí assume o agente. Constrói-se, pois, a culpa na vontade e sobre a previsibilidade. É o fato de o agente dever e poder prever o resultado e de não o ter feito, que estende até ele a sua responsabilidade.

Caracteriza-se a culpa por uma conduta contrária ao dever, que se exprime na imprudência, negligência ou imperícia do ato voluntário inicial e, por uma relação entre o agente o resultado, que consiste na falta de previsão do previsível.

Assim temos na decomposição do processo culposo: um ato inicial voluntário, praticado com imperícia, negligência ou imperícia; um resultado de dano ou de perigo definido na lei como crime; ausência de vontade e mesmo previsão desse resultado; possibilidade de prevê-lo.

É certo que esse dever de cuidado e atenção deve ser julgado de acordo com as circunstâncias do caso concreto. A falta do dever de diligência, de que provém o resultado punível pode ser expressa seja em imprudência, negligência ou imperícia.

Consiste a imprudência na prática de um ato perigoso, sem os cuidados que o caso requer.
Dela se distancia a negligência, que é a falta de observância de deveres exigidos pelas circunstâncias. Numa há o fato da comissão e noutra o fato da omissão, em geral.

Diga-se isso, em atenção à lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume V/186) para quem ¨o médico não tem carta branca, mas não pode comprimir a sua atividade dentro de dogmas intratáveis. Não é ele infalível, e desde que agiu racionalmente, obediente aos preceitos fundamentais da ciência, ou ainda que desviando-se delas, mas por motivos plausíveis, não deve ser chamado à contas pela Justiça, se vem a ocorrer um acidente funesto.¨

O resultado é um elemento integrante do tipo culposo, pois não pode haver homicídio culposo sem o resultado morte como não há lesão corporal culposa sem violação da integridade corporal de alguém.

Há ainda uma culpa sem previsão, que a doutrina chama de culpa inconsciente. Tal é diverso da culpa consciente quando o agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que este não ocorrerá.

Ainda difere do dolo eventual porque neste o agente prevê o resultado e não se importa se venha a ocorrer. O dolo eventual se junta ao dolo direto, ou ainda determinado, quando o agente prevê um resultado, dirigindo a sua conduta na busca de realizá-lo.

Repito: no dolo eventual, que tem espaço de fronteira e proximidade com a culpa consciente, a intenção do agente se dirige a um resultado, aceitando, porém, outro também previsto e consequente possível de sua conduta.

O artigo 19, II, do Anteprojeto prevê que o tipo é culposo, quando o agente, em razão da inobservância de deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, realizou o fato típico)

Assim configura-se a culpa criminalmente punível na violação de deveres de diligências realmente reprovável de dano ou de perigo.

Há um limite tortuoso entre a culpa e o dolo eventual.

No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado (consciência) e quer o resultado (vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado (consciência), não quer, mas assume o risco (vontade).

O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado (dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado (que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.

Afasta-se o dolo eventual da imprudência ou desídia.

Na culpa, o agente não quer praticar o ilícito nem assume os riscos de produzi-lo.

Folha