Sob comando de Lira, Centrão empurra caso de Silveira para o 2o semestre
Foto: Reuters
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e deputados do centrão trabalham para retardar ao máximo a análise sobre o destino na Casa do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) —condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas indultado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
O argumento lançado por Lira e aliados é a necessidade de “esfriar” a crise entre os Poderes. Para isso, bastaria deixar o caso do bolsonarista em banho-maria, adiando a análise de ações que possam levar à punição do parlamentar.
Dessa forma, a tendência é que eventuais processos de cassação ou suspensão do mandato de Silveira só devem ser avaliados no segundo semestre, perto da eleição.
Mas líderes próximos ao governo vão além: dizem que o assunto Daniel Silveira está morto e que talvez a Câmara nem entre na questão. O mandato de Silveira na Câmara vai até janeiro de 2023.
O STF (Supremo Tribunal Federal) condenou o parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão, além da perda do mandato e de direitos políticos, tornando-o, em tese, inelegível.
Lira entrou com uma ação na corte para que se estabeleça que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.
O tema está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não fez nenhum despacho na ação, e enfrenta divisão entre ministros.
Além disso, há duas recomendações aprovadas há quase um ano pelo conselho de ética da Câmara que, somadas, representariam uma suspensão de oito meses do mandato de Silveira. A decisão de pautar para votação em plenário cabe a Lira.
O presidente da Câmara tem dito a aliados que, primeiro, o assunto precisa ser resolvido pelo STF, o que deve levar tempo.
Enquanto o caso não transitar em julgado na corte —isto é, quando tiver cessado a análise de todos os recursos que podem ser interpostos—, Silveira segue com o mandato.
Na análise de parlamentares, se a suspensão ou a cassação do deputado fossem levadas hoje ao plenário da Câmara, a decisão seria favorável ao parlamentar.
Isso significaria reformar uma decisão do Supremo, o que tem potencial de reavivar um atrito entre Legislativo e Judiciário. E não vale comprar essa briga por causa de Silveira, avaliam parlamentares do centrão.
O presidente do STF, Luiz Fux, tem indicado a interlocutores que concorda com a ideia de que é preciso deixar o caso decantar. A decisão sobre quando ele deve ser levado à análise dos ministros, porém, depende de atos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes, relatores de ações ligadas ao deputado do PTB.
A questão da inelegibilidade corre em paralelo à discussão sobre o mandato.
Lira indicou a aliados acreditar que a palavra final sobre a elegibilidade de Silveira deve ser dada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e isso será enfrentado caso ele venha a pedir o registro para ser candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro, como ele deseja atualmente.
O ideal, avaliam deputados do centrão, é só se debruçar sobre a questão do mandato de Silveira depois que a dúvida sobre a elegibilidade do parlamentar for esclarecida.
Assim, a Câmara analisaria o caso sob menos pressão e, se decidisse devolver o mandato, isso ocorreria num contexto diferente do atual.
Deputados da oposição criticam a demora de Lira em pautar as suspensões do mandato determinadas pelo conselho de ética. Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), é dever do presidente da Câmara colocar os pareceres do colegiado. “A demora de um ano para colocar em votação em plenário não é um tempo razoável”, afirmou.
Líder do PSOL na Câmara, a deputada Sâmia Bomfim (SP) também lamenta essa demora. “Já se extrapolou em cinco meses o prazo para o plenário votar a definição do conselho de ética sobre Daniel Silveira, que foi pelo seu afastamento por um semestre”, disse.
“Enquanto isso, Silveira e Bolsonaro insistem nas ameaças, provocações e descumprimento das penas da condenação. A omissão da Câmara alimenta o autoritarismo dos bolsonaristas.”
Na terça-feira (3), bolsonaristas próximos de Silveira reuniram-se com o presidente da Câmara.
Segundo a deputada Carla Zambelli (PL-SP), Lira se comprometeu a pautar projeto para ampliar “anistia” a quem, entre 1º de janeiro de 2019 e 21 de abril de 2022, tiver “praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política” ou relacionados caso consigam o número mínimo de assinaturas para pedir urgência.
Nesta quarta-feira (4), Silveira se recusou a ser intimado pelo STF, segundo a oficial de Justiça encarregada da tarefa.
De acordo com o relato da servidora, o parlamentar afirmou que não vai mais usar a tornozeleira eletrônica determinada pelo Supremo, “pois está cumprindo o decreto do presidente da República”.
ENTENDA OS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS DO CASO DANIEL SILVEIRA
O que diz a lei sobre a perda de mandato?
A Constituição diz, em seu artigo 55, que a perda do mandato, para os casos nela previstos, será decidida pela Câmara ou pelo Senado, por maioria absoluta de votos, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. Uma das previsões é a condenação criminal, desde que esgotadas as possibilidades de recursos.
Qual a controvérsia?
Parte dos integrantes do STF avalia que compete ao Legislativo autorizar a cassação em caso de condenação pela corte, segundo casos julgados recentemente pelo tribunal. Outra vertente, no entanto, entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara ou ao Senado apenas cumpri-la.
Por que o Supremo vai analisar o tema?
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recorreu à corte para que se estabeleça que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar. Lira apresentou o recurso em uma ação que foi ajuizada pelo seu antecessor no cargo, Rodrigo Maia, mas que não chegou a ser julgada.
O tema está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não fez nenhum despacho quanto ao recurso de Lira, e enfrenta divisão entre ministros.
Na terça-feira (3), em reunião com o presidente da corte, Luiz Fux, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reforçou a tese de que cassação de mandato é atribuição do Parlamento.
O indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro pode livrar o aliado político da cassação de mandato?
Na avaliação do Palácio do Planalto, o perdão concedido a Silveira é amplo, zerando não apenas a pena privativa de liberdade (8 anos e 9 meses de prisão) mas também outras punições impostas ao deputado, incluindo a perda de direitos políticos.
Sob a ótica de Bolsonaro e seus aliados, portanto, Silveira segue deputado e poderá concorrer nas eleições de outubro. No Judiciário há precedentes no sentido de alcance limitado do indulto, não repercutindo sobre as penas secundárias.
O que a PGR (Procuradoria-Geral da República), que denunciou Silveira e pediu a condenação do deputado, diz?
Em 2019, a PGR foi contra um pedido que buscava dar ao Parlamento a palavra final sobre a cassação de mandato. “O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas”, afirmou.
Quanto ao indulto, a Procuradoria ainda não se manifestou. No parecer mais recente sobre o caso feito nos autos da ação penal em que Silveira foi condenado, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que opinará sobre o indulto no âmbito das ações dos partidos de oposição que questionam o perdão. Os adversários defenderam a suspensão imediata do decreto. Essas ações estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber.
Quais as providências iniciais de Rosa Weber nas ações dos partidos?
Em 25 de abril, a ministra solicitou informações sobre o caso ao presidente Jair Bolsonaro. Weber estipulou dez dias de prazo para que o chefe do Executivo se manifeste.
Após a resposta do mandatário, ainda de acordo com o despacho da magistrada, as ações serão enviadas à Advocacia-Geral da União e à PGR, para que cada instituição também opine sobre o assunto em prazo de cinco dias. A ministra adotou rito processual para levar a controvérsia diretamente ao plenário, sem a adoção de decisões liminares (provisórias).
O que o Supremo decidirá?
Os ministros vão avaliar o alcance do indulto. Não existe dúvida, segundo jurisprudência da própria corte, quanto à prerrogativa do presidente em conceder o benefício. A lei, inclusive, confere ao chefe do Executivo amplos poderes para avaliar conveniência, oportunidade e requisitos. Porém, não há clareza sobre todos os efeitos do indulto, que será estudado.
Há uma tese segundo a qual o ato de Bolsonaro tem repercussão limitada, valendo apenas sobre a pena de privação de liberdade, sem interferir na cassação do mandato e na perda de direitos políticos.
A análise abordará a inelegibilidade?
A inelegibilidade é assunto que compete ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que avalia, por ocasião do registro de candidaturas, se o postulante a cargo eletivo se enquadra nas restrições previstas na legislação.
Há um entendimento de que Silveira não poderá concorrer em outubro, uma vez que a Lei da Ficha Limpa determina que, para a perda de direitos políticos, basta condenação por decisão colegiada.
No TSE, segundo precedentes, citados inclusive pelo ministro Alexandre de Moraes, é ponto pacífico que o indulto presidencial não tem o poder de afastar a inelegibilidade.