STF suspende sigilo decretado pela PF

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Foto: André Dusek/Estadão

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, defendeu que a Corte máxima reconheça a nulidade de ato da Polícia Federal que estabeleceu que todos os processos do Sistema Eletrônico de Informações da corporação sejam cadastrados com nível de acesso restrito. A magistrada considerou que não há ‘justificativa concreta’ e compatível com a Constituição para ‘decretação genérica’ de sigilo de todos os processos criados no SEI.

“A efetiva participação dos cidadãos na vida coletiva pressupõe acesso à informação. Somente com a publicidade dos atos e processos administrativos é possível fiscalizar a gestão da coisa pública e a adequação com os demais princípios e fins constitucionais e legais”, afirmou Cármen em voto apresentado no Plenário virtual da corte, no âmbito de julgamento com previsão para terminar nesta sexta-feira, 13.

Segundo a ministra, direitos fundamentais não podem ser ‘objeto de ameaça ou lesão’ e o Estado ‘não pode ser infrator’, cabendo ao Judiciário impedir tais afrontas. “A República não admite catacumbas. A Democracia não se compadece com segredos. Direitos fundamentais não são concessões estatais, são garantias humanas conquistadas antes e para além do Estado”, ponderou.

Até o momento, somente a relatora se manifestou sobre o caso, propondo que o Supremo fixe a seguinte tese: “O ato de qualquer dos poderes públicos restritivo de publicidade deve ser motivado objetiva, específica e formalmente, sendo nulos os atos públicos que imponham, genericamente e sem fundamentação válida e específica, impeditivo do direito fundamental à informação”.

O posicionamento foi externado no âmbito de uma ação impetrada pelo PSOL em agosto de 2021, pedindo a derrubada de ato do Presidente da Comissão Nacional do Sistema Eletrônico de Informações da Polícia Federal. Segundo a legenda, o ato foi editado em julho de 2021 sob o argumento de adaptar o sistema ‘de forma a que todos os processos sejam criados com a sugestão de nível de acesso restrito, excetuando-se os procedimentos atinentes à área de administração e logística’.

O partido alegou que a Polícia Federal usa o SEI ‘como a ferramenta de gestão de seus processos eletrônicos, tramitando processos administrativos de toda ordem’, sendo que, no sistema, ‘há o acesso ao processo, o acompanhamento dele, o peticionamento, a assinatura de documentos, o protocolo e diversas outras atividades, tanto pelos servidores como pelo público externo’.

Nessa linha, o PSOL sustentou que o ato editado em julho de 2021 não preenche os ‘requisitos de validade’ e sua justificativa seria ‘lacônica e genérica para uma restrição de direito fundamental tão abrangente e danosa ao processo perante o maior órgão investigativo do país’.

Citando um contexto de denúncias de suposta interferência do governo Jair Bolsonaro em investigações policiais – tema que é alvo de inquérito no STF – o partido sustentou lesão a princípios como o da transparência, da publicidade, da legalidade e da moralidade, alegando que a medida retira a ‘possibilidade de efetiva fiscalização e controles externo e social’.

Cármen enviou o caso para análise de mérito diretamente no Plenário do Supremo, pedindo manifestações do Ministério da Justiça, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República. Os três órgãos se manifestaram contra o pedido do PSOL.

O Ministério da Justiça sustentou à corte máxima que o SEI ‘não é uma fonte ou um meio de divulgação de informações à população’. Além disso, indicou que o sigilo ‘se limita às hipóteses de confecção das manifestações em documentos preparatórios até o advento da decisão final, de modo que ‘a partir da publicação do ato final, deve ser assegurado o acesso à informação’.

Ao analisar o caso, a ministra Cármen Lúcia ponderou que o ato questionado pelo PSOL estabelece regras de restrição ao acesso aos dados a serem incluídos no SEI-PF, ‘incidindo as limitações estabelecidas sobre os direitos fundamentais de todos os cidadãos às informações relativas àquele órgão público’.

Em seu voto, a ministra discorreu sobre o chamado princípio da publicidade, destacando que deve prevalecer o acesso aos documentos públicos de todos os poderes. Segundo a magistrada, a imposição de sigilo é excepcional, devendo ser ‘objetiva, formal e especificamente justificada’, analisada caso a caso, seguindo parâmetros constitucionais.

A ministra frisou que, para decretação do sigilo, é necessário demonstrar embasamento jurídico e a motivação, indicando em que ponto a medida é adotada para a ‘preservação da segurança da sociedade e do Estado e para assegurar a inviolabilidade conferida à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas’.

Nessa linha, Cármen destacou que o controle de legalidade e finalidade dos atos administrativos somente é possível com transparência. Rebatendo uma das alegações do Ministério da Justiça – que defendeu o sigilo ‘enquanto perdurar a condição de documento preparatório’ dos expedientes -, a ministra destacou que o controle citado ‘não se restringe ao ato perfeito e acabado, abrangendo o processo administrativo que o precede e os motivos apontados como determinantes para adoção de determinada conduta pela Administração Pública’.

“A legitimidade dos atos da Administração Pública não pode ser averiguada pelos cidadãos e pelo Poder Judiciário se não houver possibilidade de cotejamento da motivação apontada com os fatos e atos da Administração Pública. A publicidade do processo administrativo que precede o ato é imprescindível para essa verificação”, ponderou a ministra.

Cármen destacou que as informações referentes a ações institucionais e à atuação dos agentes estatais são sempre de interesse pública, frisando que o Estado ‘põe-se a serviço dos cidadãos e como tal deve satisfação de seus atos’.

Estadão