Twitter lidera o ocorrências de crimes de ódio entre as redes

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Foto: Reprodução

Protagonista do noticiário na semana passada, quando foi comprado pelo empresário Elon Musk, o Twitter tem aparecido nos últimos anos em manchetes menos estreladas. Nos dois últimos anos, a rede social foi a campeã de denúncias entre páginas da internet que propagaram dez tipos de crimes, segundo a organização Safernet. Desde 2010, a plataforma está entre os três links mais denunciados anualmente. A única exceção foi em 2013, quando o Twitter ficou em quarto lugar.

Em 2021, a Central de Denúncias da Safernet, parceria da ONG com o Ministério Público Federal (MPF), recebeu e processou 150.095 denúncias anônimas, envolvendo 71.095 páginas (URLs), escritas em dez idiomas e hospedadas em 8.926 domínios diferentes. Desse total, 32.538 páginas foram removidas. De acordo com especialistas, a disseminação de discursos de ódio na internet tem aumentado nos últimos anos, o que leva a um debate sobre crimes cometidos no ambiente digital e a liberdade de expressão.

No ano passado, a Central recebeu 7.426 denúncias de conteúdos publicados no Twitter. A maior parte se refere ao crime de exploração sexual infantil (5.139). Em seguida, aparecem os crimes de racismo (920); apologia e incitação a crimes contra a vida (349); LGBTfobia (303); neonazismo (236); xenofobia (193); violência contra as mulheres (175); maus tratos contra animais (83); intolerância religiosa (21); e tráfico de pessoas (4).

Musk comprou o Twitter por US$ 54,20 por ação, negócio de US$ 44 bilhões. O empresário, que se denomina um “absolutista da livre expressão”, tem entre seus planos a revisão da política de moderação da plataforma. De acordo com Thiago Tavares, presidente da Safernet, o Twitter tem boa política sobre publicações, mas, na prática, não possui estrutura eficiente de moderação. A plataforma removeu apenas 309 publicações denunciadas por meio da Safernet em 2021.

“A empresa sempre teve problemas com a aplicação de suas políticas. É preciso uma estrutura de moderação de conteúdo que entenda o contexto e o idioma local”, afirma Tavares. Para o presidente da Safernet, a ideia de Musk de tornar o Twitter uma plataforma com liberdade irrestrita é preocupante. “Os direitos humanos, assegurados na vida real, devem ser levados em consideração no ambiente online. O direito de se expressar livremente precisa conviver em harmonia com o direito de não ser discriminado.”

Segundo o especialista, uma política desse tipo entraria em confronto com as legislações e contextos locais. Para ele, o Twitter pode se tornar um ambiente tóxico. Tavares enxerga a possibilidade da criação de uma rede social para competir com a plataforma: “Se uma rede social se deixa contaminar pelo ódio, o mercado pode dizer: ‘Isso aqui é um faroeste’ e decidir criar nova plataforma”, diz.

Segundo a Safernet, as denúncias são de conteúdos postados em português do Brasil ou dirigida ao público brasileiro, perpetrada por brasileiros para atingir pessoas no Brasil, mesmo que em outro idioma. O sistema identifica de onde partiu a conexão. A central recebe uma média de 2.500 denúncias por dia, que, após verificadas, podem ser encaminhadas para investigação do MPF e da Polícia Federal.

Em termos gerais, a Safernet aponta crescimento das denúncias de alguns tipos de crimes em 2021. O maior aumento foi o de conteúdos neonazistas, com 14.476 denúncias no ano passado, contra 9.004 em 2020 – crescimento de 60,7%. As denúncias de pornografia infantil, em 2021, foram de 101.833, aumento de 3,65% em relação ao ano anterior. Em relação à LGBTfobia, foram 5.347 denúncias em 2021, 1% a mais do que em 2020.

Para Raphael Dutra, sócio do PDK Advogados, especializado na área digital, as vítimas de crimes na internet devem, primeiro, entrar em contato com as plataformas. Além disso, podem procurar delegacias e registrar uma notícia-crime. “O ambiente digital não é desregulado. Temos regulamentações no âmbito cível e dentro das corporações, com as empresas se adequando a políticas e normas. Ao mesmo tempo, temos as tipificações criminais, como as relacionadas ao discurso de ódio”, diz.

Ele cita, por exemplo, a Lei das Fake News, aprovada no Senado e que agora aguarda apreciação na Câmara. O projeto de lei estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, principalmente em relação ao combate à desinformação. “As plataformas não vão conseguir fugir do diálogo com o Judiciário. No caso da Lei das Fake News, vai trazer uma série de imposições, que as empresas vão precisar cumprir”, diz.

Outra instituição que se debruçou sobre o tema foi a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Dapp). Levantamento verificou que, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, foram publicadas 11 milhões de postagens sobre discurso de ódio e liberdade de expressão no Twitter. O estudo não teve como foco publicações com possíveis crimes, mas mapeamento de mensagens que debatiam esses assuntos.

Recentemente, o Twitter criou um tipo de acesso, com interface de programação aberta, para estimular pesquisas acadêmicas. Além disso, grande parte das postagens da plataforma é pública, o que facilitaria a visualização de conteúdo. De acordo com a Safernet, os números levantados pela entidade se referem a denúncias anônimas feitas por usuários da plataforma, sem envolver pesquisas ou aspectos técnicos da rede social.

De acordo com o pesquisador Eurico Matos, um dos autores da pesquisa, é difícil identificar o que são exatamente discursos de ódio. “Existem bases de dados para classificação, com algumas expressões, mas a maioria em inglês. Além disso, depende do contexto em que são utilizadas”, diz.

O projeto da FGV aponta que a manutenção dos regimes democráticos exige equilíbrio saudável entre liberdade de expressão e combate à intolerância. “As plataformas atuam em um nível que os governos nacionais não conseguem atingir, mas vão precisar se manifestar sobre a questão do discurso de ódio e o poder público dialogar com esse cenário”, afirma Mattos.

Procurado pelo Valor, o Twitter em nota afirmou que não tem informações sobre as metodologias usadas nas pesquisas e não possui condições de comentar ou verificar a veracidade das análises. Além disso, a empresa reiterou que tem regras e políticas para proteger as conversas e que violações às regras da plataforma estão sujeitas às medidas cabíveis.

Valor Econômico