Bolsonaro segue mentindo sobre eleições e redes nada fazem

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Foto: Isac Nobrega

Discursos bolsonaristas que levantam suspeitas de fraude nas urnas em 2018 circulam nas redes sociais mesmo após mudanças de política das empresas e de acordos contra a desinformação eleitoral com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O YouTube, que tem uma das políticas de conteúdos mais específicas para o contexto eleitoral, não permite conteúdo sobre fraude nas urnas em 2018. Vídeos da família Bolsonaro, no entanto, mencionam o tema explicitamente e permanecem no ar.

Em uma live de 17 de junho do ano passado, o presidente diz ter convicção de fraude e que venceu no primeiro turno de 2018. Um mês depois, em outra transmissão oficial, afirmou que pessoas “iam votar no 17 e aparecia nulo ou automaticamente o 13 [do PT]”.

Em vídeo veiculado em 14 de junho deste ano, durante uma obra no Amapá, repetiu que teria ganho no primeiro turno se as eleições fossem limpas.

Eduardo Bolsonaro, em um evento conservador recente, disse que as pessoas precisam votar para ao menos se certificarem que pode acontecer a mesma fraude de 2018. Ele reproduziu o discurso do pai, dizendo que eleitores digitavam 1 e o sistema completava com 3.

Lives do presidente costumam ser republicadas em seus perfis do Twitter e do Facebook, onde também ficam disponíveis.

Considerando a militância, que ecoa esse discurso em outras redes e aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram, são mais de 1.600 vídeos no YouTube que abordam conspirações sobre urnas, pedido de voto impresso ou auditável e citações a intervenções golpistas ou a forças militares, segundo monitoramento coordenado pelo professor Marcelo Alves, da PUC do Rio de Janeiro.

É preciso esclarecer que a maioria das empresas não remove proativamente descrenças genéricas no sistema eleitoral ou pedidos de voto impresso, por exemplo, por considerarem violação à liberdade de expressão.

Twitter, YouTube e Kwai, aplicativo chinês que rivaliza com o TikTok, são mais explícitos ao falar sobre conteúdos que alegam “fraude não verificadas sobre o sistema eleitoral”, “informações falsas de que as urnas eletrônicas brasileiras foram hackeadas na última eleição” e “alegações falsas sobre a transparência das eleições”, respectivamente.

Para Alves, da PUC, alguns acordos com o TSE têm sido violados. Há conteúdos eleitorais sem rótulos e, no caso do YouTube, a exclusão de vídeos sobre fraude nas urnas é baixa (seu monitoramento aponta para 16; a empresa não revela o número).

“É uma política problemática: proíbe vídeos sobre fraude das urnas em 2018 mas não foi aplicada em 2018 e também não cobre o que acontece depois de 2018”, diz.

O mesmo monitoramento identificou 1.378 publicações citando urnas em canais de extrema-direita, conspirações sobre fraudes ou mobilizações por voto impresso ou voto auditável no Facebook e no Instagram.

A Meta, dona das duas redes sociais, não tem política específica sobre urnas eletrônicas. Desde janeiro, conta com uma regra para moderar o discurso de “autoridades durante agitações civis”.

A diretriz foi elaborada após a suspensão do perfil do ex-presidente americano Donald Trump em 2021, quando apoiadores desconfiados das urnas invadiram o Capitólio. No Facebook, as publicações dele, que negou a vitória de Joe Biden, infringiram regras da plataforma por incitarem a violência.

Diante do que ocorreu nos Estados Unidos, as redes sociais dizem que não podem prever o que acontecerá com o perfil de Jair Bolsonaro caso ele acuse fraude nas urnas nos dias próximos à eleição.

A Folha conversou com Twitter, Meta (dona de Instagram, Facebook e WhatsApp), Kwai e Google (dona do YouTube). O TikTok não quis se manifestar. Por email, o escritório de advocacia que representa o Telegram disse que assuntos de imprensa só podem ser tratados pelo aplicativo. No aplicativo, a reportagem não obteve resposta.

Nos bastidores, as empresas simulam diferentes cenários com eventuais postagens para calcular como poderão atuar caso um presidenciável não aceite derrota nas urnas e use as redes sociais para isso.

De modo geral, todas as políticas dão arcabouço para banir informações do tipo. Mesmo assim, hesitam em derrubar conteúdos de perfis de autoridades. A depender da figura política, as empresas precisam de aprovação das matrizes para uma exclusão.

A estratégia principal das empresas com o TSE é difundir informações da instituição para combater as mentiras sobre as urnas. Todas as big techs relevantes em audiência assinaram um acordo com a corte e têm canais de comunicação extraoficial para o período eleitoral, quando poderão receber denúncias sobre conteúdos falsos.

O ponto mais difícil desse combate é o da moderação de conteúdo.

“O grande problema é a falta de transparência. Ainda lidamos com situações básicas de moderação de conteúdo, não temos claro a regra que foi usada e por que aquele conteúdo foi ou não removido”, diz Paulo Rená, professor de direito no Centro de Ensino Unificado de Brasília.

Ele defende uma cooperação entre as plataformas para coibir a desinformação eleitoral. “A única solução possível poderia ser construída entre as empresas e não vejo isso acontecendo. É uma preocupação pública compartilhada. A pessoa preocupada em compartilhar ilícito pula de uma plataforma para a outra.”

A nova política da Meta diz que a restrição de um perfil político vai considerar “a gravidade da violação e o histórico da figura pública no Facebook ou no Instagram, incluindo violações atuais e anteriores”, além da influência da pessoa no ato violento e a gravidade dos atos.

Para Vitor Monteiro, da assessoria de enfrentamento à desinformação do TSE, o principal pilar da parceria com as empresas é divulgar informações confiáveis. Segundo ele, a preocupação é grande desde 2018, mas o relacionamento com as empresas é de diálogo, não de sanção ou fiscalização.

“A gente não vai combater desinformação só com o TSE. A gente entende que a desinformação é algo que vai exigir de toda a sociedade”, diz.

Folha