Cientista político diz que Brasil pode ter “golpe boliviano”
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
O filósofo e cientista político Marcos Nobre, autor do livro recém-lançado “Limites da democracia”, vê o presidente Jair Bolsonaro em seu pior momento eleitoral, mas acredita que uma eventual derrota em outubro não vai representar o afastamento do que ele classifica de “ameaça autoritária”. Para o escritor, o chefe do Executivo agora vai mobilizar a base digital para conter os danos relacionados às suspeitas de corrupção que pairam sobre o ex-ministro Milton Ribeiro (Educação).
Qual a diferença do modelo celebrizado pelo MDB para dar apoio aos governos de PSDB e PT para a união entre Bolsonaro e o Centrão?
No modelo que funcionou de 1994 até 2013, o peemedebismo agiu como um mecanismo para travar transformações profundas. Nesse sentido, ele representa um conservadorismo democrático. O Centrão na versão Bolsonaro é a forma limite do peemedebismo, porque pode levar à abolição da democracia. Representa um conservadorismo autoritário. É o “Centrão carcará”: pega, mata e come. E topa colaborar com um presidente que tem um projeto autoritário. Eles têm muito mais poder do que qualquer outro Centrão já teve: dispõem de 20% do orçamento discricionário.
Mesmo com a aliança, Bolsonaro usa a imagem de antissistema…
Bolsonaro não se responsabiliza pelo seu próprio governo. Ele diz que quem governa é o sistema. E entrega para quem quiser governar — desde 2020, é o Legislativo. Se ele sofre uma derrota, é porque o sistema continua mandando. Ou seja, não adianta ganhar a eleição, porque o sistema é mais forte. E qual é o implícito disso? Para que eu possa realmente lutar contra o sistema, vocês precisam me dar mais poder no meu tempo. E assim fecha o regime.
Há chance de golpe? Qual seria o papel das Forças Armadas?
Um golpe clássico me parece a possibilidade menos provável. Nós não sabemos o que as Forças Armadas pensam. Mas uma coisa dá para saber, elas não vão apoiar uma ruptura institucional se 70% do eleitorado estiver contra. Agora, podemos pegar o exemplo da Bolívia. Quando o caos se instalou (em 2019, após eleições marcadas por denúncias de fraude e renúncia de Evo Morales), as Forças Armadas simplesmente apoiaram a saída que apareceu, no caso, a posse da autoproclamada presidente (Jeanine Áñez). No Brasil, você pode produzir um caos social, ter uma paralisação de caminhoneiros, desabastecimentos, quebra-quebra, fazendo com que uma intervenção para “restabelecer a ordem” seja necessária.
Bolsonaro segue distante de Lula nas pesquisas. O que esperar da mobilização do presidente para reverter este quadro?
Do ponto de vista eleitoral, o Bolsonaro está no seu pior momento. Mas o jogo do Bolsonaro é o golpe, não é a eleição. Ele tem 30% da intenção de voto, uma taxa de aprovação que se mantém num patamar constante desde o início do governo dele. O que está em jogo não é só eleição. A derrota de Bolsonaro na eleição não significa o afastamento da ameaça autoritária. Enquanto Bolsonaro está montando o octógono para o MMA, o outro lado está jogando amarelinha.
O que podemos esperar da reação do Bolsonaro sobre as suspeitas no Ministério da Educação? O discurso anticorrupção foi uma das tônicas da campanha de 2018.
Nenhuma acusação de corrupção colou em Bolsonaro para sua base de apoio até hoje. Se colar, ele está perdido e arrisca até perder a vaga no segundo turno. Agora, é evidente que toda a contracampanha no partido digital bolsonarista já começou muito antes de o Milton Ribeiro ser preso. Da mesma maneira como ele conseguiu convencer essa base de que era necessário fazer acordo com o Centrão, ele vai tentar convencer de que a acusação de corrupção não tem nada a ver com ele.