
Lula quer criar pasta da “economia solidária”
Foto: Ricardo Stuckert
O plano de governo do presidenciável do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, vai propor a criação de uma estrutura nacional de fomento à economia solidária. A proposta foi debatida no encontro do ex-presidente com representantes do cooperativismo, nesta quinta-feira (2), em Porto Alegre.
O coordenador da equipe do programa de governo do PT, Aloizio Mercadante, disse em entrevista exclusiva ao Valor que a proposta se baseia na experiência mexicana do Instituto Nacional de Economia Social, que organiza políticas públicas, levanta estatísticas, oferece trabalho técnico, promove a formalização e avalia políticas de crédito e comercialização para pequernos empreendedores.
Caberá a Lula, segundo Mercadante, a palavra final sobre o tipo de estrutura a ser adotado. A possibilidade mais viável é a criação de um ministério para a área.
“A importância desse modelo cresceu muito em todo o mundo. Formas cooperativadas e de fomento ao empreendedorismo solidário e coletivo, que explodiram com a precarização do trabalho, são fundamentais num projeto de desenvolvimento. Seguramente estará no nosso programa”, disse ele.
Ex-ministro de Dilma, tendo ocupado as pastas da Ciência, Tecnologia e Inovação, Educação (duas vezes) e Casa Civil, Mercadante coordena um grupo de 14 representantes dos sete partidos que compõem a aliança em torno de Lula. As reuniões têm sido semanais. A ideia do grupo é apresentar a proposta de governo no início de agosto, durante a convenção que irá oficializar a chapa Lula-Alckmin à Presidência.
O plano terá três eixos estratégicos. Um deles é desenvolvimento social e garantia de direitos, onde se encaixa o fomento da economia solidária. Segundo Mercadante, esse eixo vai priorizar temas como renda básica, salário mínimo, geração de emprego e redução da desigualdade.
Outra área estratégica será desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e combate à crise climática. “A transição ecológica, para nós, é estruturante, perpassa todo o programa de governo. Mudou de patamar essa questão. Nosso projeto de retomada de desenvolvimento é de uma economia de baixo carbono”, afirmou o coordenador.
Também será dada prioridade ao eixo de reconstrução do Estado, da cidadania e a defesa da democracia. Para o coordenador, o desafio nessa área será estruturar propostas de “reestruturação” do país que, segundo ele, foi devastado por falta de gestão, de experiência e de visão sobre políticas públicas.
“Vamos ter de entrar sabendo eleger essas urgências”, disse. “Na educação, que eu conheço bem, se pegar estruturas como CNPq e FNDE, é uma coisa trágica. Teremos um enorme trabalho de reconstrução”, justificou.
Além de um ministério da Economia Solidária, é dada como certa a recriação do ministério da Cultura – Lula também se reuniu com artistas e produtores culturais nesta quinta-feira e pretende, segundo a coordenação, repetir essas reuniões por todas as viagens durante a campanha. O setor é considerado estratégico para a economia, pela geração de empregos e de renda.
Durante a reunião, o cineasta Jorge Furtado apresentou dados a Lula indicando que, entre 1993 e 2018, a Lei Rouanet gerou impacto de R$ 50 bilhões na economia e mais de 5 milhões de postos de trabalho.
Na primeira fase, a equipe do programa de governo deve apresentar no dia 10 de junho um texto breve sobre as diretrizes a partir desses três eixos, com as prioridades de cada um. Com o documento, será lançada uma plataforma para receber propostas online. O aplicativo ficará um mês no ar. Até o início de agosto, o programa será finalizado.
“Vamos ter uma equipe de moderadores para ler, acolher e processar as sugestões, que depois serão trabalhadas pela coordenação. A plataforma também permitirá debates e discussões. A ideia é criar, numa sociedade digital, um canal direto entre a cidadania e um candidato a presidente”, explicou.
Segundo Mercadante, o programa será enxuto, com cerca de 30 páginas, “semelhante ao que tem sido feito nos outros países”. Ele citou os casos de Emmanuel Macron, na França, que elaborou um programa de 25 páginas, e Gabriel Boric, no Chile, com 32 páginas. Ambos foram eleitos.
“Um programa objetivo, para circular pela internet, didático, que qualquer cidadão entende as prioridades, as ideias centrais e algumas propostas de impacto, que são mais relevantes”, disse.
Mercadante admite que o programa terá um nível de abstração elevado. Mas que as urgências serão bastante visíveis. Para ele, umas das coisas mais urgentes em caso de vitória de Lula será o combate à extrema pobreza e à fome. “Não é possível que as pessoas andem na rua e não vejam o que está acontecendo, uma multidão de pessoas caçando osso nas latas de lixo, a desnutrição crescendo”, afirmou.
Mas há outras urgências. Mercadante cita a educação, na qual pelos menos um terço das crianças e adolescentes que não tiveram aula durante um ano e meio, segundo ele, e a saúde, com novas demandas ao SUS.
“Durante a pandemia, não houve estímulo pedagógico, não teve banda larga, atividade educacional. Então, uma criança que vai fazer oito anos e não aprendeu a ler e escrever vai abandonar a escola. É uma urgência? É urgentíssimo”, disse.
No campo da macroeconomia, a prioridade, segundo ele, será combater a inflação, impedir a aceleração do custo de vida, especialmente na alimentação e nos combustíveis, e retomar o crescimento do emprego e da renda da população. Mas Mercadante não deu receita.
“Tem que combinar as duas coisas. Criar um caminho da retomada do crescimento e do emprego em inflação. Mas me pergunta como mais pra frente, tá bom?”, brincou.
Mercadante também desconversou sobre sua participação num eventual futuro governo de Lula. “Meu papel é ajudar a carregar o piano”, disse. “O mercado fica nervosíssimo comigo. Mas nem deveria.”