1/4 não sabe quem criou programas de transferência de renda

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Foto: Sérgio Lima

Uma das principais apostas para alavancar os índices de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, o programa Auxílio Brasil já é compreendido pela ampla maioria da população como uma obra do pré-candidato do PL à reeleição. E isso não quer dizer que essa percepção será convertida, nos próximos três meses, em votos. A pesquisa “A cara da democracia” revela que, em respostas espontâneas (quando não são apresentadas opções aos entrevistados), 74% afirmam que Bolsonaro é o “responsável pela criação do Auxílio Brasil”. Outros 3% dizem que foi o ex-presidente e também pré-candidato Lula (PT), que lidera todas as pesquisas de opinião, e um quinto dos eleitores (21%) diz não saber.

Por outro lado, quando questionados sobre quem criou o Bolsa Família, 55% dos eleitores afirmam ter sido Lula, seguido por Fernando Henrique (10%), Bolsonaro (4%) e Dilma (2%). Um quarto da população (26%) diz não saber, número que revela um desconhecimento, ou esquecimento, mais acentuado do programa criado por Medida Provisória em 2003.

Transferência de renda e reconhecimento — Foto: Arte

O Auxílio Brasil é visto pelo governo como um grande desafio de comunicação política para convencer milhões de beneficiários de que o Bolsa Família, após quase duas décadas e fortemente vinculado aos governos do PT, mudou de nome. Ele agora tem as digitais de um novo presidente e será parte de uma estratégia maior que inclui a PEC aprovada pelo Senado para ampliar o estado de emergência, autorizando gastos extras de mais de R$ 40 bilhões a poucos meses das eleições. Há ainda novas modalidades de auxílio, como para caminhoneiros e taxistas.

Discussões sobre o design do cartão magnético, as cores impressas e o próprio nome do programa fazem parte dos esforços para essa transição, mas a pesquisa “A cara da democracia” mostra, no entanto, que a população já entendeu quem criou o Auxílio Brasil, e os esforços daqui em diante terão de lidar muito mais com a memória relacionada ao Bolsa Família do que com um esforço para carimbar o nome de um político sobre outro na concessão de cartões magnéticos carregados com dinheiro para lidar com a alta da inflação.

— O que Bolsonaro fez do ponto de vista político é muito perspicaz. O Bolsa Família é marca registrada do PT, mais do que um programa de Estado. E o governo Bolsonaro tentou interromper isso de alguma maneira. Com esses resultados aliados à corrida eleitoral, fica claro que o Bolsa Família está na memória da população. É simbólico, é marca do combate à desigualdade e que a população associa ao PT — analisa Lucio Rennó, professor de Ciência Política da UnB ao avaliar os resultados da pesquisa feita pelo Instituto da Democracia (INCT/IDDC).

O percentual dos que não sabem quem criou o Bolsa Família (um quarto) é maior do que o do Auxílio Brasil (um quinto) e isso reflete, segundo Rennó, uma certa perda de memória com o passar do tempo, aliada a críticas que o programa sofreu ao longo do tempo, como conotações de que era clientelista ou que não dava “a vara para pescar”, por mais que fosse majoritariamente aprovado pela população.

Segundo a mesma pesquisa, 88% dos entrevistados apoiam o Bolsa Família, e 85%, o Auxílio Brasil. Portanto, na campanha eleitoral, Lula e Bolsonaro não terão o que discutir sobre a validade desses programas federais. Na avaliação de especialistas, o que vai contar é a forma como cada eleitor entende o benefício e, principalmente, com qual intuito cada um foi criado.

— Durante a pandemia, o auxílio emergencial foi importante para sustentar a popularidade de Bolsonaro, mas, em princípio, o Auxílio Brasil não necessariamente recaptura eleitores de baixa renda que o presidente vem perdendo desde a eleição — aponta o cientista político da UnB, acrescentando. — A aposta agora é massificar essa estratégia com a Proposta de Emenda Constitucional que amplia os projetos sociais. Apesar de fazer sentido politicamente, a ação pode ter sido apresentada tardiamente pela pré-campanha do presidente Bolsonaro.

Para Fábio Kerche, professor de ciência política da Uni-Rio, o alto reconhecimento do Auxílio Brasil como obra de Bolsonaro não substitui a ideia de que outros governos distribuíram renda:

— Eleitores podem até reconhecer que é uma iniciativa do atual governo, mas não a ponto de mudar a intenção de voto. Existe uma discussão sobre a credibilidade e compromisso de cada candidato com essa pauta. No caso de Bolsonaro, há desconfiança. Muitos podem se perguntar: “Por que não fez antes?” Reconhecer ou saber de quem veio não significa aderir.

Kerche aponta uma hipótese que pode estar presente na cabeça de muitos eleitores sobre o caráter “eleitoreiro” de medidas tão repentinas para distribuir renda.

— No fundo, muitos eleitores veem medidas aprovadas como tentativas de reverter as coisas na última hora. Essa carestia não vem de hoje. É uma hipótese, mas há um sentimento de ação eleitoreira, ao final dos 45 minutos do segundo tempo. Uma pessoa pode buscar o dinheiro por achar que é seu, que tem direito. E isso não necessariamente resulta em voto em Bolsonaro porque existe uma memória de que, no tempo do Lula, havia mais emprego. E o auxílio vem para quem está desemprego.

A pesquisa “A cara da democracia” foi feita pelo Instituto da Democracia (INCT/IDDC), com 2.538 entrevistas presenciais em 201 cidades, em todas as regiões do país. A margem de erro total é de 1,9 ponto percentual, e o índice de confiança é de 95%. Participaram as universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj, com financiamento do CNPq e da Fapemig.

O Globo