ANPR chama Aras de “advogado de Bolsonaro”

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Foto: Lúcio Tavora/Xinhua

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Ubiratan Cazetta, considera pouco transparente a escolha de um procurador-geral da República que não foi incluído na lista tríplice da categoria. A lista não está prevista na Constituição Federal, mas foi respeitada por Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Jair Bolsonaro rompeu a tradição e escolheu para o cargo Augusto Aras, que não estava entre os mais votados. Aras tem se mostrado aliado de Bolsonaro. No início da semana, pediu para o STF arquivar sete das dez investigações abertas contra o presidente e aliados a partir da CPI da Covid. Para Cazetta, “a percepção de parte da sociedade é que Aras age mais como advogado do presidente da República, e isso é ruim”.

Lula sempre defendeu a lista tríplice e, na entrevista ao UOL na quarta (27), colocou em dúvida o critério de nomeação para a PGR se for eleito presidente. Isso preocupa o Ministério Público?

Ubiratan Cazetta – O presidente Lula foi estratégico. Ele vai ter que se dedicar a esse assunto no segundo semestre do eventual governo dele, porque o mandato do Aras termina em outubro de 2023. Esse tema não é urgente para uma gestão. Ele foi estratégico porque, de fato, há um racha entre pessoas próximas do presidente Lula, alguns ainda entendem a lista tríplice como necessária, outros são absolutamente contrários. Portanto, eu acho que ele antecipar essa decisão agora traz mais pressão sobre ele do que deixar esse assunto em suspenso.

Aras é visto como aliado do presidente Bolsonaro. Qual a avaliação do senhor sobre o desempenho do procurador-geral?

– O procurador-geral da República tem que ter independência funcional para fundamentar sua opinião e levá-la para o STF. Há uma crítica muito grande aos procuradores-gerais anteriores, de que eles teriam sido irresponsáveis no manejo das ações penais no Supremo. Não é à toa que o discurso de Aras foi tão aceito no Senado. Há uma crítica generalizada de que os procuradores-gerais foram levianos e apressados na proposição de ações contra os presidentes da República. Isso traz ônus para o procurador-geral da República. Existe um caminho entre o arrojado e cauteloso. Talvez haja agora um excesso de cautela, uma tentativa de não se posicionar.

O senhor teria pedido o arquivamento das investigações sobre a CPI da Covid?

– Não estudei o tema a fundo, mas o relatório da CPI era frágil mesmo. O crime de causar epidemia, por exemplo. Fica difícil dizer que o presidente da República fez isso, esse tipo penal não se encaixa à situação. A análise da PGR tem mesmo que ser técnica, e não política.

Aras tem postura omissa, como diz a oposição ao governo?

– Ele adota uma postura que é o extremo oposto (em relação aos antecessores no cargo). No Supremo, não tem ação penal proposta contra parlamentar. Acho que temos que chegar na linha do meio. O procurador-geral da República tem obrigação de se posicionar de forma independente. Colou-se no Aras a imagem de que ele não é independente.

O senhor acha que ele não é independente?

– Não posso afirmar. O que eu posso dizer é que a percepção de parte da sociedade é que Aras age mais como advogado do presidente da República, e isso é ruim. Se eu concordo ou não, não é importante. O importante é constatar que essa percepção faz mal ao Ministério Público e à sociedade. Ele pode estar tecnicamente correto, o problema é que já colou nele essa imagem.

Por que o senhor acha que Bolsonaro escolheu Aras para procurador-geral?

– A escolha do Bolsonaro se deu em um processo opaco, e é essa a crítica. Essa é a minha crítica ao modelo que não tem lista. As pessoas que querem ser procurador-geral da República têm que se apresentar à sua classe, participar de debates. É um filtro, um modelo transparente. Para mim, são dois modelos, um deles totalmente opaco, que a gente nunca vai saber o que levou Bolsonaro a escolher o Aras.

O presidente Bolsonaro tem investigações abertas contra ele no STF e Lula enfrentou processos na Justiça nos últimos anos. Então, mais do que uma resposta ao eleitorado, o presidente da República, seja ele quem for, terá interesse pessoal na nomeação do PGR. Esses interesses afetem a instituição?

– O critério de escolha deve ser republicano. Quando a subjetividade passa a ser mais importante do que o cargo, isso está errado. O procurador-geral da República nem é o algoz do presidente da República, nem é o advogado do presidente da República.

O senhor acredita que Lula, se for eleito, vai adotar a lista tríplice?

– Acredito e espero que sim.

Aras continuará no comando da PGR no início do governo Lula, se o petista for eleito. Nesse cenário, o senhor acredita que Aras se torne mais combativo?

– Eu acho que ele vai ser cauteloso, é uma questão de postura mesmo do Aras. Ele tem esse olhar de que ele não pode estar na ribalta política, e que o Ministério Público não é componente do ambiente político. Não acredito que, por ser governo Lula ou Bolsonaro, ele passaria a ser incisivo, independente de simpatia. Ele defende um Ministério Público mais contido.

O senhor acha que o Ministério Público deveria ser mais aguerrido?

– O Ministério Público tem que ser aguerrido sempre, com responsabilidade. É um cargo incômodo, temos o papel de apontar erros. Mas ser incômodo não significa ser irresponsável.

Por que a PGR e o Judiciário passaram a ser tão importantes para os candidatos a presidente, o que não acontecia em campanhas passadas?

– Quem conhecia no início dos anos 2000 o nome dos ministros do Supremo? Quem conhecia o nome do procurador-geral da República? A cúpula do Ministério Público e do Poder Judiciário começou a se tornar socialmente conhecida. Uma sequência de fatos acabou mudando isso. Mensalão e Lava Jato colocaram o Supremo e o procurador-geral, que é quem faz as acusações, no ringue. E temos casos concretos: um candidato ficou mais de 500 dias preso com decisões do Supremo que o afetaram diretamente. É inevitável que esse protagonismo que o Supremo e a PGR atingiram nos últimos anos acabe sendo trazido para as eleições. Ainda mais quando temos nos últimos anos críticas contundentes de parte do Congresso à postura do Aras. É uma coisa contraditória. As críticas são fortes agora mas, nas últimas sabatinas, o Senado foi especialmente acolhedor ao Aras.

Uol