Bolsonarista foragido usou estratégia para pôr seu caso na mão de Nunes Marques
Foto: Roque de Sá – 27.mai.20/Agência Senado
Em uma ofensiva jurídica no STF (Supremo Tribunal Federal), o site bolsonarista Terça Livre tem apresentado recursos que caem com diferentes ministros da corte para tentar conseguir a liberação das suas contas bancárias e redes sociais, bloqueadas após decisão do ministro Alexandre de Moraes.
O principal nome do Terça Livre é o influenciador Allan dos Santos, que é considerado foragido pela Justiça e atualmente vive nos Estados Unidos, onde tem participado de eventos promovidos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A estratégia do site no STF é semelhante a outras tentativas de selecionar, por vias legais, um dos ministros para decidir sobre o caso —como fez o narcotraficante André do Rap, do PCC— e tem gerado críticas de integrantes do Supremo.
Os recursos contra a decisão de Moraes já passaram por Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e, novamente, por Fachin.
No último dia 7, um novo pedido da defesa do site ficou sob responsabilidade do ministro Kassio Nunes Marques, indicado para o STF por Bolsonaro.
Kassio, que tem um histórico de determinações favoráveis aos interesses de aliados do Planalto, está em recesso de meio do ano e ainda não decidiu no processo.
Allan dos Santos é investigado no inquérito das milícias digitais. Em outubro passado, por decisão de Moraes, as contas do Terça Livre foram removidas no YouTube, Instagram, Facebook e Twitter. As contas bancárias da empresa também foram bloqueadas.
A decisão de Moraes foi tomada ao mesmo tempo em que ele decretou a prisão preventiva de Santos, sob a justificativa de que são necessárias restrições financeiras ao influenciador e ao site ligado a ele, “pois há fortes indícios de que os valores arrecadados por meio de vídeos e lives na internet são utilizados de maneira ilícita, financiando a estrutura da organização criminosa que se investiga”.
O advogado do site, Renor Oliver Filho, afirma que o bloqueio é uma “afronta objetiva e direta a direitos constitucionais fundamentais de liberdade de imprensa, livre iniciativa, exercício de profissão, devido processo legal, entre outros, todos assegurados expressamente pela Constituição.”
Em outubro, a defesa entrou com o primeiro pedido no STF contra as decisões de Moraes, em um recurso chamado mandado de segurança, que ficou sob relatoria de Edson Fachin.
O ministro rejeitou o pedido, sob o argumento de que a jurisprudência da corte não permite esse tipo de recurso contra ato de um dos seus ministros.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestou no processo com o mesmo entendimento.
Após a decisão de Fachin, a defesa do Terça Livre continuou com uma sequência de recursos. O argumento utilizado é dizer que os ministros, ao negarem o pedido, estão concordando com uma suposta decisão irregular de Moraes —e que, portanto, o processo deve mudar de relator.
O segundo mandado de segurança foi sorteado para Cármen Lúcia, que decidiu com o mesmo entendimento de Fachin. O terceiro caiu com Rosa Weber, que também reiterou a negativa.
Um novo mandado de segurança, apresentado no primeiro semestre deste ano, caiu mais uma vez com Fachin. A defesa do Terça Livre alegou à presidência do Supremo que seus recursos não podiam cair com ministros cujas decisões eram contestadas.
Pediu então a redistribuição do processo, excluindo os integrantes do Supremo que já haviam decidido sobre o caso.
O presidente do Supremo, Luiz Fux, manteve o caso com Fachin e alfinetou a defesa, afirmando que o pedido do advogado acabaria viabilizando o direcionamento do recurso.
“A se adotar a lógica do impetrante, não haverá, em breve, ministros competentes para a relatoria do mandamus, tendo em vista a sucessão de impetrações e o insucesso oriundo da incompatibilidade entre o pedido deduzido na inicial e os precedentes desta corte”, afirmou Fux, em 30 de maio.
Fachin negou o pedido mais uma vez. Após isso, a defesa apresentou outro recurso no último dia 7 de julho, que por fim ficou sob a responsabilidade de Kassio Nunes Marques.
Consultados pela Folha sob reserva, advogados que defendem diversas causas no Supremo acham improvável que Kassio se manifeste de forma favorável ao site, mesmo tendo decidido em prol de bolsonaristas anteriormente.
Uma determinação nesse sentido abriria um precedente para que outros advogados questionem, por meio de mandado de segurança, atos individuais dos ministros do STF –inclusive do próprio Kassio.
Ao Supremo a defesa do Terça Livre afirmou que, mesmo que o ministro se considere impossibilitado de rever a decisão dos pares, o pedido deve submetido ao plenário do tribunal.
O argumento é que uma decisão precisa ser “tomada em definitivo e apreciando o mérito, sem evasões devido a questões meramente formais.”
Procurado, o advogado Renor Oliver Filho afirmou em nota que os bloqueios determinados por Alexandre de Moraes levaram 50 funcionários a perderem seus empregos e vigoram há nove meses “sem que a investigação tenha qualquer deslinde, como o arquivamento ou oferecimento de denúncia, importando em confisco da renda e do trabalho desses profissionais de imprensa”.
“Passados mais de nove meses do vazamento da decisão à imprensa, os advogados ainda não tiveram acesso aos autos do procedimento, não se sabendo a natureza da decisão e quais as provas que a fundamentam”, afirmou o advogado.
Ele diz que ainda está pendente uma decisão no STF em um habeas corpus apresentado pela defesa contra a decisão de Moraes para conceder o acesso à investigação —o julgamento foi interrompido por um pedido de vista de Nunes Marques.
“Contra o inevitável e silencioso empastelamento, por estrangulamento, da atividade profissional jornalística, a empresa de mídia Terça Livre TV ajuizou até o momento cinco ações de mandado de segurança contra a ordem abusiva e ilegal do ministro Alexandre de Moraes. Registre-se que todas as ações foram distribuídas por sorteio no STF, sem qualquer ingerência da parte ou do advogado”, disse Oliver Filho.
Em um episódio que causou desgastes no STF em 2020, o ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, mandou soltar o narcotraficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos principais chefes do PCC.
A ordem de Marco Aurélio foi dada após manobras da defesa de André do Rap para o caso cair com um ministro cuja tendência era conceder uma decisão favorável no caso.
Fux e o plenário do STF agiram para revogá-la e para mudar a forma como os processos eram distribuídos entre os ministros, mas o narcotraficante segue foragido da Justiça até hoje.