
Bolsonaristas raiz ficaram mais radicais
Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
No esforço de entender o fenômeno social e eleitoral do bolsonarismo, publicamos na revista Época, em 2019, os resultados de uma pesquisa de opinião com eleitores de Bolsonaro investigando algumas das hipóteses mais discutidas pelos especialistas. Descobrimos que os eleitores de Bolsonaro tinham posições conservadoras sobre os temas morais das guerras culturais, eram antipetistas e antipartidos políticos e desconfiavam das elites culturais — como de professores, jornalistas e artistas.
Agora, em 2022, no último ano do mandato, refizemos a pesquisa na cidade de São Paulo para saber o que tinha mudado. As opiniões de quem votou em Bolsonaro em 2018 permanecem as mesmas, com muito pouca variação estatística: seguem conservadores e desconfiados das elites culturais, na mesma medida. Mas uma parte desses eleitores — justamente os mais moderados — amenizou sua oposição ao PT e trocou de candidato ou está indeciso. A radicalização do bolsonarismo parece ser fruto do afastamento desses conservadores moderados e da permanência dos mais extremistas: um bolsonarismo depurado. O resultado mostra que o esmorecimento do antipetismo criou uma oportunidade para o crescimento eleitoral de Lula, mas mostra também que, a despeito do resultado das eleições, o conservadorismo permanecerá como um elemento central da vida política brasileira.
Na pesquisa testamos várias das explicações que os especialistas propunham para o bolsonarismo. Apresentamos os dados mais significativos. Dividimos a exposição dos resultados principais para três subgrupos: bolsonaristas convictos, bolsonaristas arrependidos e não bolsonaristas. Os bolsonaristas convictos são aqueles que votaram em Bolsonaro em 2018 e pretendem votar em Bolsonaro em 2022. Os arrependidos são os que votaram em Bolsonaro em 2018 e, para 2022, querem outro candidato ou estão indecisos. Os não bolsonaristas são aqueles que, em 2018, votaram em outro candidato e pretendem de novo em 2022 não votar em Bolsonaro. Para todas as nossas principais medidas (antipetismo, opiniões conservadoras e opiniões antielitistas) vemos uma gradação que vai de posições mais fortes dos bolsonaristas convictos, passando pelas posições intermediárias dos arrependidos até as posições dos não bolsonaristas que não são antipetistas, nem conservadoras, nem antielitistas.
Os eleitores de Bolsonaro se diferenciam dos demais por adotarem identidades políticas fortes de direita e de conservador. Nos últimos anos, cientistas políticos e psicólogos sociais têm mostrado que identidades políticas fortes são o motor da chamada polarização afetiva, a hostilidade contra quem adota uma identidade adversária (por exemplo, direita contra esquerda ou petista contra bolsonarista). 59% dos bolsonaristas convictos se dizem de direita (12% entre os arrependidos e 6% entre os não bolsonaristas) e 68% se dizem muito conservadores (18% entre os arrependidos, 11% entre os não bolsonaristas).
Uma das teses mais difundidas para explicar o bolsonarismo é que ele se apoiou no repúdio ao Partido dos Trabalhadores, o “antipetismo”. E os dados que recolhemos parecem mesmo indicar isso: 63% dos eleitores convictos de Bolsonaro adotam a identidade de antipetista (17% entre os arrependidos e 8% entre os não bolsonaristas); 69% concordam com a afirmação “Todos os partidos são corruptos, mas o PT é pior” (21% entre os arrependidos e 11% entre os não bolsonaristas); e 86% concordam com a afirmação “A incompetência do PT afundou o país” (38% entre os arrependidos e 21% entre os não bolsonaristas).
Os temas morais das guerras culturais, como a posse de armas e a defesa da família tradicional estiveram no centro da campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. Medimos a adesão do seu eleitorado em São Paulo a essas posições conservadoras e elas contrastam muito com a posição dos não eleitores: 56% dos eleitores convictos de Bolsonaro concordam com a afirmação “As feministas são contra os valores da família” (28% entre os arrependidos e 14% entre não bolsonaristas), 49% concordam com a afirmação “o movimento gay corrompe as crianças” (28% entre os arrependidos e 12% entre não bolsonaristas) e 80% concordam com a afirmação “os direitos humanos atrapalham o combate ao crime” (63% entre os arrependidos e 36% entre os não bolsonaristas).
Na campanha eleitoral e depois na disputa nas mídias sociais, o bolsonarismo tem atacado as elites culturais. Cientistas políticos destacam a centralidade deste tipo de antielitismo na conformação do populismo. Aqui, constatamos a adesão dos eleitores de Bolsonaro a essas ideias: 64% dos bolsonaristas convictos concordam com a afirmação “Professores estão abordando temas que contrariam os valores das famílias” (37% entre arrependidos, 16% entre não bolsonaristas); 80% concordam com a afirmação “Artistas da Globo não respeitam valores morais” (51% entre arrependidos, 29% entre não bolsonaristas) e 76% concordam com a frase “A grande imprensa é inimiga do povo” (47% entre os arrependidos e 35% entre os não bolsonaristas).
Quando comparamos as respostas em 2019 e 2022 daqueles que votaram em Bolsonaro, praticamente não há mudança fora da margem de erro. As opiniões dos que votaram no presidente em 2018 permaneceram as mesmas durante o período do mandato, com a exceção da afirmação antipetista, cuja adesão caiu significativamente. Embora a identidade antipetista tenha variado para baixo, no limite da margem de erro, a concordância com a afirmação “Todos os partidos são corruptos, mas o PT é pior” entre quem votou em Bolsonaro caiu de 80% para 65% entre 2019 e 2022 — se ficarmos apenas entre os arrependidos ela é hoje de meros 21%.
Esse resultado sugere duas coisas. A primeira é que a diminuição do sentimento antipetista entre antigos eleitores de Bolsonaro abriu espaço para o crescimento da candidatura de Lula. A segunda é que, embora tenha havido uma mudança eleitoral importante, a opinião dos eleitores praticamente não mudou. Ainda que conservadores moderados estejam agora dispostos a votar em Lula e em outros candidatos, eles seguem conservadores. Uma eventual derrota eleitoral de Bolsonaro não significará que o conservadorismo enquanto fenômeno social desapareceu.
Nos dias 7 e 14 de maio de 2022 entrevistamos 2.308 pessoas com mais de 16 anos na cidade de São Paulo. As entrevistas foram proporcionalmente distribuídas segundo a população das oito macrorregiões da cidade, com abordagens em pontos de grande fluxo. Nossa amostra foi ponderada por renda, idade e sexo para atingir a distribuição destas categorias demográficas no Censo de 2010. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais quando considerado o universo todo, e o grau de confiança é de 95%. Na comparação entre subgrupos de bolsonaristas, consideramos apenas os resultados cuja diferença é estatisticamente significativa.