Bolsonaro burla regras para obras e emendas em período eleitoral

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Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

A manobra para permitir obras de pavimentação custeadas por emendas parlamentares durante a campanha eleitoral beneficiará principalmente municípios que são da base política de aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da cúpula do Congresso.

Além disso, o projeto aprovado pelo Congresso abre caminho para emendas de relator já negociadas e que atendem principalmente a pedidos de governistas. Esse tipo de emenda é distribuído a deputados e senadores com base em critérios políticos por darem sustentação ao governo no Congresso.

Reportagem da Folha mostrou nesta quarta-feira (27) que o Congresso aprovou um drible a uma regra que entrou em vigor em abril e que impede repasses de recursos federais para cidades acima de 250 mil habitantes e sem um plano de mobilidade urbana.

Esses municípios tinham até 12 de abril para aprovar um Plano de Mobilidade Urbana. Em caso de descumprimento, não poderiam mais receber recursos federais para obras –apenas dinheiro para auxiliar no desenvolvimento do projeto urbano.

O prazo está previsto numa lei de 2012 e vinha sendo prorrogado nos últimos anos. Mas os parlamentares aprovaram um dispositivo para que essa proibição não tenha validade para emendas neste ano.

O projeto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), adepto da chamada política do tomá-lá-dá-cá em troca de apoio político no Congresso —esse apoio envolve liberação de verba e ocupação de cargos estratégicos no governo.

Pela norma ainda em vigor, quase 50 cidades em 20 estados não podem mais receber verba federal para obras nesse setor. A vedação afeta capitais e cidades de aliados do governo, como Imperatriz (MA).

Mesmo assim, o Ministério do Desenvolvimento Regional fez a reserva de recursos de emendas para obras de pavimentação quando já estava valendo a regra. A verba foi empenhada –fase em que é feita a reserva do dinheiro por meio de assinatura de contrato– para Maceió (AL), Boa Vista (RR) e Macapá (AP).

O Executivo também assinou contratos para emendas de parlamentares principalmente de governistas.

Um exemplo é a emenda de Rodrigo Cunha (União Brasil), senador que se licenciou para concorrer ao Governo de Alagoas. Ele é apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se tornou um dos parlamentares mais próximos de Bolsonaro.

A emenda de Cunha destina R$ 1 milhão para pavimentação em Maceió. Os recursos foram empenhados em 28 de abril.

No caso de Boa Vista e de Macapá, a liberação foi feita em 4 de maio. Os valores para pavimentação são, respectivamente, de R$ 18,5 milhões e R$ 11 milhões.

Amapá é o reduto eleitoral do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), um dos mais influentes na distribuição de emendas no Congresso. Já o governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), é aliado de Bolsonaro.

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que “não houve transferência de recursos financeiros para nenhum dos municípios citados”.

A pasta também afirma que as emendas foram apresentadas antes do prazo de 12 de abril. No entanto, os contratos foram assinados após a data limite.

Segundo a lei que trata do plano de mobilidade urbana, em caso de descumprimento, a proibição vale tanto para solicitação como para recebimento de recursos.

Estão previstos cerca de R$ 2,8 bilhões para emendas parlamentares na área de mobilidade urbana até o fim do ano. O dinheiro é destinado, por exemplo, a obras e reformas que melhorem o transporte nas cidades, corredores de ônibus ou metrôs.

Mas, por ter mais apelo político e ser de mais fácil execução, parlamentares tendem a destinar a verba principalmente para pavimentação —de difícil fiscalização, esse tipo de obra tem sido um dos principais meios para dar vazão ao volume bilionário das emendas parlamentares.

Do jeito que o projeto foi aprovado, o Ministério do Desenvolvimento Regional continua impedido de destinar recursos do próprio orçamento para os municípios que descumpriram o prazo. A exceção foi criada apenas para emendas parlamentares.

Na negociação de emendas de relator até julho, o governador do Amapá, Waldez Goés (PDT), figura entre os mais beneficiados. Ele é aliado de Alcolumbre. A promessa é de R$ 40 milhões para pavimentação de vias no estado.

Governadores de estado não têm direito a emendas de relator. O nome dele aparece na lista porque é possível que usuários externos registrem emendas, o que é uma forma de camuflar o real autor do pedido. Com isso, um terço das emendas de relator não tem um autor evidente.

Outra emenda já negociada é para Imperatriz. O valor de R$ 7,5 milhões para pavimentação na cidade foi tratado com o prefeito Assis Ramos (União Brasil).

Imperatriz é reduto bolsonarista no estado, que tem inclinação a partidos de esquerda. Em julho, Bolsonaro visitou a cidade e foi recebido por Ramos.

O drible na regra que veda os repasses federais foi incluído no mesmo projeto em que deputados e senadores conseguiram flexibilizar a legislação eleitoral, permitindo doações do governo federal de bens, valores ou benefícios para entidades privadas ou públicas durante a campanha.

Folha