Congresso de 2023 terá nomes tradicionais
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Uma onda de renovação atingiu a política brasileira na eleição de 2018. Na corrida presidencial, um deputado de baixo clero, filiado a uma legenda nanica e sem coligação partidária, quebrou paradigmas e se sagrou vencedor embalado por um discurso de rejeição ao establishment e à velha política. Em coro com a pregação de Jair Bolsonaro, outsiders também obtiveram sucesso nas urnas, aproveitando-se da insatisfação generalizada com os políticos tradicionais. Dos 513 deputados federais que assumiram mandato em 2019, 267 não faziam parte da legislatura anterior, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A renovação foi de 52%, a maior em vinte anos, e proporcional à expectativa do eleitor por mudanças diversas — de mais moralidade no trato do orçamento público à solução de problemas históricos, sobretudo em áreas como educação, saúde e infraestrutura. Passados quatro anos, as demandas são praticamente as mesmas e, até por isso, a maioria dos eleitores continua a defender uma renovação. A pergunta é: que tipo de renovação? Políticos e especialistas apostam que o pêndulo das urnas, que balançou em 2018 para o lado dos neófitos, deve voltar em 2022 para as bandas dos políticos tradicionais.
De certo mesmo, é a permanência de um clima de insatisfação com os atuais detentores de mandato. Uma pesquisa realizada pela Quaest, a pedido do movimento RenovaBR, mostrou que 86% dos 1 544 entrevistados consideram que seria bom se houvesse uma “alta renovação” no Congresso. Para a diretora-executiva do RenovaBR, Irina Bullara, o resultado não deixa dúvida de que a população não foi atendida como esperava. “Aumentou a pobreza, o preço dos alimentos está alto e o acesso aos serviços básicos de saúde e educação não está melhor”, diz ela. Do total de entrevistados, 73% desaprovam o trabalho dos políticos em geral. O porcentual é de 66% no caso dos deputados federais e de 63% no dos senadores. Foi justamente na Câmara onde os reflexos da renovação de 2018 se mostraram mais nítidos. No início da legislatura, os novatos tomavam conta do plenário, fazendo vídeos para as redes sociais com o objetivo de mostrar em tempo real o trabalho que desenvolviam. A moda logo caiu em desuso, porque os calouros perceberam que, para ganhar espaço no Legislativo e entregar algo de fato ao eleitor, era preciso bem mais do que um celular nas mãos. Thank you for watching
Com raras exceções, os neófitos não conseguiram protagonismo, que continuou sendo exercido pelos representantes da velha política, fortalecidos pelo acordo que Bolsonaro firmou com o Centrão e pelo controle do bilionário orçamento secreto. Fundador do Movimento Brasil Livre (MBL) e quarto deputado mais votado em São Paulo, Kim Kataguiri (União Brasil) culpa o Centrão pela desaprovação da população aos atuais detentores de mandato. Para ele, é necessária uma renovação de verdade, mas esta não ocorrerá porque, embalados pelas verbas distribuídas pelo governo, caciques e seus aliados tradicionais deverão vencer em 2022. “A probabilidade é que todo mundo do Centrão, ou quase todo mundo, vá se reeleger”, diz Kataguiri. Em 2021, o jovem deputado disputou a presidência da Câmara e terminou em sétimo lugar, recebendo apenas dois votos. Outro novato eleito em 2018, o deputado Marcel Van Hattem (Novo) também participou do páreo, conquistando 13 votos e a quinta colocação na eleição vencida pelo veterano Arthur Lira.
Assim como Kataguiri e boa parte dos calouros consagrados em 2018, van Hattem ganhou projeção com discursos contra o PT e a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Campeão de votos no Rio Grande do Sul, o deputado faz uma avaliação positiva do próprio mandato, mas afirma que a atuação dele e dos colegas foi prejudicada em razão da pandemia, que levou Lira a mudar o regime de trabalho de presencial para remoto. “Isso afastou ainda mais os novatos do poder. Os líderes decidiam entre eles o que era prioridade e depois só se votava pelas reuniões virtuais o que já estava decidido.” O parlamentar também alega que muitos dos novatos acabaram “engolidos pelo sistema”, rendendo-se à busca pela reeleição a qualquer custo e deixando de lado as pautas prioritárias, o que contribuiu para o sentimento de insatisfação da sociedade. “Quando chega um deputado novato, ele vai tentar agir mais no curto prazo, ocupar todos os cargos disponíveis, usar emendas parlamentares e entrar no esquema que a maior parte dos políticos já está para buscar a própria reeleição”, critica Van Hattem.
Muitos expoentes da renovação de 2018 reconhecem o desgaste e, por isso, reajustaram seus planos para 2022. Eleita deputada federal com 1 milhão de votos, a segunda maior votação de São Paulo, atrás apenas de Eduardo Bolsonaro (PL), Joice Hasselmann (PSDB), outrora apoiadora de Jair Bolsonaro, hoje está na oposição. Em 2020, ela tentou surfar o restinho da onda e disputar a prefeitura da capital, mas recebeu apenas 100 000 votos e terminou na sétima colocação. Agora, a deputada buscará renovar o mandato num cenário que, reconhece, é bem diferente do anterior, inclusive porque as milícias digitais do bolsonarismo estarão não mais a seu serviço, mas contra ela. Pode ser só coincidência, mas desde que trocou a função de estilingue pela de vidraça Joice adotou um estilo mais reservado, como se não fizesse mais questão de aparecer em cena. O mesmo vale para Alexandre Frota, seu colega de bolsonarismo em 2018 e de oposição em 2022. Ex-ator de novelas da Globo e de filmes eróticos, Frota era um entusiasmado integrante da bancada da selfie. De início, envolveu-se em toda sorte de polêmicas. Ele chegou a chamar a Câmara de lixo e, ao ser eleito, disparou: “Os maiores atores e atrizes pornô já estão lá dentro. Eu só vou me colocar junto ao elenco”.
A aposta na polêmica, que tantos dividendos rendeu em 2018, de pouco serviu na Câmara. Frota foi perdendo espaço e submergiu. Agora, descerá pelo menos um grau na hierarquia do poder: “Aprendi muito no Congresso e quero ser deputado estadual com um governador eleito pelo meu partido, o Rodrigo Garcia, perto da minha família e amigos”. Entre os novatos, há também aqueles que ganharam prestígio ou sonham com voos mais altos. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) se consolidou no cenário político como uma referência no debate sobre educação, área a que prometeu se dedicar na campanha. Prova de sua influência está no fato de ter sido atacada, durante o mandato, por aliados tanto de Bolsonaro quanto de Lula. Primeiro parlamentar cego do país, Felipe Rigoni (União Brasil) afirma que também dedicou a sua atuação às pautas apresentadas ao eleitor. Neste ano até ensaiou uma candidatura ao governo do Espírito Santo. “Lutei pelas causas que eu tinha que lutar”, declara.
Em 2018, uma série de situações favoreceu a renovação, como as descobertas da Lava-Jato, a recessão legada por Dilma Rousseff e a alta rejeição às velhas figuras da política. Em 2022, a pauta prioritária é outra. O eleitor está preocupado com o futuro da economia, com o combate à inflação e com os efeitos sanitários e econômicos da pandemia. Especialistas afirmam que a demanda por políticos experientes voltou a crescer. Já o apelo dos outsiders não parece mais o mesmo. Não à toa, caciques conhecidos como Eduardo Cunha (PTB), Romero Jucá (MDB), Fernando Pimentel (PT), Marconi Perillo (PSDB) e outros estão se apresentando ao eleitorado em busca de uma nova rodada de renovação, só que com sinal trocado. “Não tem mais Lava-Jato nem a debacle que foi o governo Dilma. Saímos do leito do antissistema e voltamos para uma eleição típica de sistema”, afirma o cientista político Alberto Carlos Almeida. Em outras palavras, a novidade agora pode ser o velho.