FGV mostra sabugismo da PGR a Bolsonaro
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) nunca foi tão inerte em relação ao governo federal quanto nos dois primeiros anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro. A conclusão é de uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) que será apresentada ainda neste mês no “The Global Meeting on Law and Society”, congresso internacional de direito em Portugal.
O estudo mostra que, entre 2019 e 2021, o órgão foi o autor de apenas cinco das 290 ações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) contra atos do Poder Executivo – o equivalente a 2%. Trata-se da “máxima retração” desde 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal.
O lapso temporal considerado pela FGV engloba nove meses da gestão de Raquel Dodge, oito dias da gestão de Alcides Martins (interino) e 21 meses da gestão do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro à revelia da lista tríplice da categoria.
No ranking de proponentes dos últimos dois anos, a PGR perdeu para os partidos políticos (63%), para confederações sindicais e entidades de classe (29%) e para o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (6%), empatando em quarto lugar com as procuradorias-gerais dos Estados e do Distrito Federal (2% cada).
De acordo com a pesquisa, a atuação da PGR “beirou a inexistência” justamente em um período no qual se observou um aumento da litigiosidade contra atos do governo federal, principalmente os editados por Bolsonaro sem a participação do Congresso Nacional, como decretos, medidas provisórias e portarias.
Além de ter seu menor índice de proatividade em 34 anos, um terço dos pareceres da PGR em ações de outros autores foi enviado ao Supremo depois que o processo já havia perdido o objeto – o que ocorre, por exemplo, quando o ato judicializado já foi revogado ou substituído por outro.
Nesses casos, o órgão se limita a indicar a situação, sem mobilizar argumentos sobre a constitucionalidade ou não da medida. “O uso do tempo no processo, assim, tem permitido à PGR esquivar-se de eventuais confrontos com os interesses do governo Jair Bolsonaro”, conclui a pesquisa.
Nas hipóteses em que adentra o mérito da questão, a PGR se alinha à Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o governo Bolsonaro na Justiça, em até 94% das vezes. Em geral, segundo o estudo, o quadro é de “inação frente aos atos do presidente e de ministros”, inclusive na esfera de responsabilização penal.
“Os dados analisados neste artigo mostram que a PGR não tem se posicionado contrária aos atos do governo Jair Bolsonaro, tampouco tem ela própria, como autora, provocado o STF para tanto, ou controlado os atos do governo no âmbito criminal, competência que detém em razão das regras constitucionais de prerrogativa de foro”, diz o texto.
A pesquisa também traça um panorama da atuação da AGU entre 2019 e 2021. A conclusão é a de que o órgão abandonou o perfil técnico pelo qual era tradicionalmente reconhecido e passou a atuar como mero chancelador dos atos de Bolsonaro.
A AGU manifestou-se em 221 das 290 ações que tramitam ou tramitaram contra o governo federal no Supremo entre 2019 e 2021. Dessas, 115 foram elaboradas pelo ex-advogado-geral da União José Levi, enquanto 79 têm a assinatura de André Mendonça, que virou ministro da Corte pelas mãos de Bolsonaro, de quem é próximo.
Em muitas ocasiões, destaca a pesquisa, o órgão assumiu “a defesa personalíssima” do presidente em ações que enfrentam os chamados atos parainstitucionais, como discursos, entrevistas e publicações nas redes sociais, o que costuma gerar debate sobre a real inclusão desse papel entre as atribuições da AGU.
“As manifestações da AGU não se apresentam, em nenhum momento, como um limite técnico. Tanto o contrário, mobilizam argumentos favoráveis ao governo federal, em uma arquitetura jurídica da desresponsabilização do presidente e de seus ministros pelos seus atos, independentemente da sua institucionalidade e da gravidade da lesão à Constituição Federal.”
Os temas das ações, prossegue o texto, “refletem as frentes de violação constitucional encampadas pelo governo, baseadas sobretudo em sua agenda ideológica”. Metade delas questiona o desmonte de direitos e políticas públicas sociais, enquanto 36% se referem à pandemia de covid-19 e 14% aos ataques à qualidade democrática.
Em conclusão, a FGV frisa que “nenhuma das instituições tem se mostrado instâncias de controle aos atos do governo Jair Bolsonaro”, contribuindo “para que tais atos se revistam de aparente legalidade, normalizando o infralegalismo autoritário e a parainstitucionalidade perante o sistema de justiça”.
A pesquisa é assinada pelas professoras da FGV Direito SP Eloísa Machado de Almeida, coordenadora do projeto Supremo em Pauta, e Luiza Pavan Ferraro, pesquisadora da instituição. A apresentação do estudo vai ocorrer no âmbito do “Project on Autocratic Legalism”, do qual a instituição de ensino faz parte.
Procurada pelo Valor, a PGR enviou uma resposta formulada e divulgada em agosto de 2021, quando as pesquisadoras publicaram um artigo no jornal “Folha de S.Paulo” trazendo dados preliminares do estudo.
O órgão afirmou, na ocasião, que seus pareceres são independentes e que os métodos da pesquisa contêm “distorções e equívocos”. Também negou, à época, alinhamento com a AGU. Também procurada pelo Valor, a AGU não respondeu.