Liberação de armas foi maior preocupação de Bolsonaro
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As discussões sobre flexibilização da venda, porte e posse de armas de fogo, bandeira fortemente defendida por Jair Bolsonaro (PL) e aliados, tiveram destaque na Câmara dos Deputados durante o mandato do presidente.
Entre 2019 e 2022, parlamentares apresentaram 296 projetos de lei ligados ao tema na Casa Baixa. É o que mostra levantamento feito pelo Metrópoles com base em dados divulgados pela Câmara dos Deputados.
O número demonstra que o mandato de Bolsonaro foi o período com maior apresentação de projetos sobre o assunto desde 1993 — data mais antiga na página de busca do órgão. O primeiro ano da gestão, 2019, foi o que teve maior número de propostas apresentadas: ao longo dos 12 meses, foram protocolados 133 projetos de lei.
Para realizar o levantamento, foram considerados todos os PLs apresentados com o termo “arma de fogo” no texto do projeto. Entre as propostas, estão medidas contrárias e favoráveis ao porte, posse e venda dos objetos. Os dados foram coletados no Sistema de Informações Legislativas da Câmara dos Deputados.
O segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) e parte do mandato de Michel Temer (MDB) aparecem em seguida na lista dos períodos com maior número de PLs sobre o tema apresentados à Câmara dos Deputados. Foram 97 propostas protocoladas entre os anos de 2015 e 2016.
Em terceiro lugar, aparece o curto mandato de Temer, com 96 projetos de lei sobre armas de fogo apresentados à Câmara dos Deputados entre 2017 e 2018. Durante a primeira gestão de Dilma, entre 2011 e 2014, parlamentares apresentaram 60 projetos sobre o tema. Os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram, em cada um deles, 19 propostas sobre o assunto apresentadas à casa legislativa.
Levantamento realizado em junho pelo Metrópoles/Ideia mostrou que os brasilienses se dividem ao avaliar se ter arma em casa aumenta a sensação de segurança. Para 37,7% dos eleitores do Distrito Federal, dispor do item em casa traria uma sensação maior de segurança.
Enquanto isso, outros 37,4% disseram que ter um revólver, uma pistola ou uma espingarda dentro do próprio imóvel não traria maior segurança. Já 23,8% dos entrevistados responderam que não concordam nem discordam.
O alinhamento do debate sobre armas de fogo com o discurso de Jair Bolsonaro é perceptível quando observados os partidos com maior número de propostas ligadas ao tem apresentadas à Câmara.
Em 2019, o PSL — partido no qual Bolsonaro começou sua gestão — teve 32 projetos de lei sobre armas de fogo protocoladas na casa legislativa, sendo a sigla com maior número de propostas apresentadas.
O partido também lidera as listas de 2020, com 27 projetos, e de 2021, com 24 propostas. Em 2022, quem ocupa o primeiro lugar no ranking é o PL, atual sigla do presidente Jair Bolsonaro, com 8 documentos apresentados.
A influência do discurso bolsonarista de flexibilização do uso de armas, endossado por parlamentares e outros líderes políticos, também tem reflexo na quantidade de registros de permissões para o uso dos objetos.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados na terça-feira (28/6), mostram que os registros de atividades de caçador, atirador desportivo e colecionador (CAC) cresceram 474% durante a gestão Bolsonaro. Em 2021, o presidente aprovou um pacote para flexibilização da compra e do uso dos objetos por CACs.
O anuário do FBSP também mostrou que o Brasil teve o menor índice de homicídios em 10 anos. Foram 47.503 casos, o que representa 130 mortes diariamente.
Em relação a 2020, o país teve uma queda de 6,5% no número de mortes violentas, que incluem homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes cometidas pela polícia. Das 27 capitais do país, 21 tiveram queda no número de mortes violentas entre 2021 e 2020. No entanto, a pesquisa destaca que, entre as mortes ocorridas no Brasil em 2021, 98,4% foram causadas por armas de fogo.
Capitaneado pelo discurso bolsonarista, o movimento Pró-Armas organiza, no próximo sábado (9/7), o III Encontro Nacional pela Liberdade Pró-Armas. Em Brasília, o grupo pretende caminhar pela Esplanada dos Ministérios para defender o acesso às armas de fogo. A expectativa é de receber entre 30 e 50 mil participantes no evento.
O grupo defende que a liberação do uso de armas respeita a liberdade da população, além de trazer mais segurança. “Vamos fazer um paralelo com o kit de primeiros socorros. Quando o estado não chega a tempo, você vai saber salvar uma vida. A arma de fogo te dá uma primeira defesa na sua residência ou propriedade. Entendemos que o aumento no número de armas de fogo ocasionou na queda histórica no número de homicídios no país”, defende Marcos Pollon, pré-candidato a deputado federal por Mato Grosso do Sul e um dos organizadores da passeata.
Apesar da redução no índice de mortes violentas, o anuário destaca que o cenário da violência no Brasil merece atenção. De acordo com o DataUNODC, sistema de dados do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas, o Brasil é o país com maior número absoluto de homicídios do planeta. Em 2020, foram registrados 232,6 mil homicídios no mundo. Do total, 20,5% foram registrados em território brasileiro.
O gerente de advocacia do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, destaca que a redução em 2021 não é motivo para comemorar. Ele ressalta que a queda se deve ao pico de homicídios que o país teve em 2017, ligado a conflitos entre facções criminosas. Naquele ano, o índice foi de 30,9 mortes violentas para cada 100 habitantes.
“Para se analisar estatística, é preciso olhar o movimento, a série histórica. A gente tem de fato uma queda, mas os dados são uma reacomodação após a explosão em 2017. Para ver o efeito da política armamentista atual, precisaremos analisar os dados dos próximos 5 a 10 anos”, explica.
Para o especialista, é importante que o próximo presidente invista em segurança pública como uma das prioridades do mandato. “Quando falamos de homicídios, falamos de armas de fogo”, ressalta.
“É fundamental que o país diga um basta e essas mortes violentas. Além da questão humana, que é a mais importante, tem a questão da produtividade do país. Pessoas morrem, param de gerar renda, deixam filhos órfãos. Os que não morrem, mas sofrem com a violência, acabam entrando para a previdência, ficam inválidos. É uma questão real para além da dimensão humana — que é, sem dúvidas, a mais importante”, pontua.
O especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna avaliou, em entrevista ao Metrópoles, que a legislação e o comportamento brasileiros seguem uma lógica diferente da cultura norte-americana. Ele defende que o Brasil não deve adotar as mesmas medidas dos Estados Unidos sem que haja um “amadurecimento social”.
“Não temos as mesmas leis que os EUA, nem o mesmo comportamento social dos agentes de segurança pública que os EUA têm. Na Flórida, por exemplo, se você coloca sua arma de fogo em um local indevido e alguém comete crime ou se machuca, você passa a responder criminalmente na Justiça de acordo com a gravidade do delito. A legislação brasileira vai mudar? Também vamos promover esse tipo de alteração legal?”, questiona.
“Muito mais que fazer uma comparação, acredito que tenhamos que aguardar um amadurecimento social para que possamos entender como a nossa sociedade se comporta diante desse cenário”, avaliou.