Lula deve abandonar o “republicanismo”

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Eduardo Guimarães

O sufixo “ismo” é o mais adequado para qualificar a visão digna e bem-intencionada de Lula e outros próceres do PT. É um sufixo nominal, de origem grega, usado para definir conceitos como alcoolismo, tabagismo, pessimismo, enfim, como tudo que é negativo.

Mas o que é “republicanismo”? Os mais versados nos meandros da política bem sabem. Trata-se da visão digna, ética e incrivelmente ingênua do ex-presidente ao longo de seu governo (2003-2010). Uma visão que estendeu o tapete vermelho para que seus inimigos políticos dessem o golpe que deram nele e em seu partido.

A Constituição Cidadã, promulgada em 1988, criou uma série de garantias fundamentais e direitos sociais e individuais até então inexistentes e alterou radicalmente a organização e a forma de funcionamento do Ministério Público brasileiro, até então voltadas à área criminal, a instituição transformou-se no principal órgão defensor do então recém-instaurado regime democrático e dos “interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A partir da atual Constituição, o presidente da República passou ter mais poder para escolher o Procurador-Geral da República, cargo vital para o Executivo Federal por caber a ele denunciar ministros de Estado e o próprio presidente — o atual PGR defende que o ocupante de seu cargo só pode denunciar o presidente por crimes comuns, cabendo ao Legislativo cuidar de crimes políticos.

Seja como for, o procurador-geral da República, além de ter meios de proteger o chefe do Executivo Federal e todos os seus auxiliares, pode até derrubar um governo se passar a atuar como seu adversário político.

Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff foram os únicos chefes do Executivo Federal que delegaram ao Ministério Público a indicação do Procurador Geral da República, o chefe maior da instituição. Todos os outros presidentes do pós-redemocratização nomearam os PGRs sob critérios próprios.

José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro nomearam oito procuradores-gerais sob a Constituição de 1988, que deu ENORME poder ao Ministério Público – alguns dizem que criou um “monstro” incontrolável e uma casta de membros pagos a peso de ouro.

A partir da redemocratização, o Ministério Público Federal foi comandado pelos seguintes procuradores-gerais: Aristides Junqueira (1989/1995); Geraldo Brindeiro (1995/2003); Cláudio Fonteles (2003/2005); Antonio Fernando (2005/2009); Roberto Gurgel (2009/2013); Rodrigo Janot (2013/2017); Raquel Dodge (2017 – 2019) e Augusto Aras (2019 até o momento). Sarney, FHC, Temer e Bolsonaro ignoraram a lista tríplice que o MPF apresenta aos presidentes com seu indicado à PGR. Só Lula e Dilma respeitaram essa lista.

O resultado do comportamente ingêno dos ex-presidentes petistas foi nefasto. Roberto Gurgel e Rodrigo Janot atuaram politicamente contra Dilma Rousseff e colaboraram para o golpe de 2016 e para a politização da Lava Jato.

A maior prova da irracionalidade das acusações de corrupção contra Lula reside no seguinte fato: como alguém que chega à Presidência da República com o intuito de roubar diverge de todos os antecessores e deixa nas mãos de terceiros a escolha daquele que tem a primazia de investigar o governo federal?

Não faz o menor sentido…

Agora, aliados de Lula tentam convencê-lo a abandonar o “republicanismo” e a ingenuidade e assumir as rédeas da sucessão de Augusto Aras, de longe o mais descarado PGR governista entre todos os que já passaram pelo cargo — desde a posse, Aras foi contra 74 pedidos de investigação contra Bolsonaro e a favor de 1, e isso só até março deste ano.

A ideia apresentada a Lula é que, se eleito, amplie o número de integrantes da lista para a PGR com indicações de outros setores, como Senado, Câmara e Judiciário. A proposta é que o próximo presidente possa escolher entre seis nomes, tendo outras opções além daquelas mais votadas pelo Ministério Público.

Mesmo que a conduta de Lula seja elogiável e indício inconteste de que ele jamais teve qualquer intenção desonesta durante sua passagem pela Presidência, a ingenuidade de sua visão sobre os cargos sensíveis da República, como os de presidentes das cortes superiores (STJ, STF), chefe da Polícia Federal e Procurador-Geral da República acabou prejudicando o povo brasileiro por permitir o golpismo da direita na década passada. Uma direita que empobreceu o Brasil como nunca.

Se Lula for Eleito, terá que conviver com Augusto Aras até setembro, quando termina seu segundo mandato na PGR. Até lá, terá tempo de escolher um PGR que pode até estar na lista tríplice do MPF, mas que não seja um golpista como Gurgel e Janot.

Redação