Procuradora agredida por subordinado temeu morrer apanhando
Foto: Marcus Steinmeyer
Quando o procurador Demétrius Oliveira partiu para cima de mim, desferindo com toda a fúria uma sequência de socos, não consegui esboçar qualquer reação. Fui pega de surpresa. Desde então, uma imagem não sai da minha cabeça: a dele me olhando com ódio, fixamente, como se não houvesse mais nada ao redor. Virei saco de pancadas por uns segundos que não saem da memória. Custo a acreditar que já fomos amigos. Fizemos o mesmo concurso para a prefeitura da cidade de Registro, no interior de São Paulo, lá se vai uma década. Ele entrou imediatamente e eu, dois anos mais tarde. Nos dávamos bem. Frequentávamos bares, participávamos de happy hours depois do expediente e chegamos a viajar para a praia juntos. Ele até conheceu meu pai. Os colegas diziam: “Ele só fala com você”. Logo entendi o motivo para tamanho espanto. Demétrius se revelava aos outros uma pessoa de difícil trato, principalmente com mulheres.
Quando ingressamos no serviço público, a cidade era comandada por uma prefeita. Ela o alojou na Secretaria de Assistência Social, e não na pasta de Assuntos Jurídicos, como ele queria, e isso o deixou muito contrariado. Aí Demétrius passou a atuar pelo impeachment da chefe, sem sucesso. Após as eleições, houve mudanças e começamos a trabalhar mais próximos. Apesar de não ser um servidor exemplar, com defesas demasiadamente sucintas e escassas argumentações, Demétrius tinha a expectativa de comandar a repartição, o que não ocorreu. Quem subiu ao posto máximo da secretaria, àquela altura com status de Procuradoria, foi justo uma mulher — uma afronta para ele. Publicamente, claro, não passava recibo, mas tratava a todos mal. Não cumprimentava ninguém, vivia trancado em sua sala e só reclamava.
Achei que a situação fosse se resolver quando ele decidiu por conta própria pedir demissão, depois da morte do pai. Meses mais tarde, porém, se arrependeu e quis retomar o cargo. Quando regressou, eu já era a procuradora-chefe. E fui conversar com Demétrius, fazendo um aberto aceno de paz: “Somos uma equipe, vamos deixar as mágoas para trás”, enfatizei. Ele não retribuiu o gesto, a gentileza, e o clima foi se deteriorando. Demétrius falava comigo por meio de ofício ou bilhetes. Até que destratou uma auxiliar administrativa, lhe questionando aos berros, depois de um delicado “bom-dia” dela: “O que aconteceu? Agora ficou educada?”. A funcionária chorou e não queria mais trabalhar com ele. Pedi então que formalizasse a situação. Fiz questão de cumprir todos os ritos legais de um processo administrativo. Ainda tentei falar com Demétrius uma última vez. Acabei sendo expulsa de sua sala.
No momento em que ele viu no sistema que uma comissão para investigar o caso tinha sido instaurada, resolveu recorrer à incivilidade. Recebi socos na cabeça, por pouco não desmaiei. Achei que fosse apanhar até morrer. Uma colega felizmente conseguiu contê-lo e outra me puxou para uma sala, passando a chave. Chamamos a polícia, que enfim o deteve. Levado à delegacia, prestou depoimento e foi liberado. Sabendo que ele estava solto por aí, me tranquei em casa, apavorada. Coloquei uma madeira na porta para impedir que a arrombasse. A situação me revoltou. Eu, a vítima, estava presa, em pânico dentro de casa, enquanto ele, o agressor, ficava livre. Era inaceitável. Por isso decidi tornar público o vídeo da surra, feito por um colega, apesar da vergonha que a exposição me traz. Pois graças à repercussão do caso, Demétrius foi preso e vai responder por tentativa de feminicídio triplamente qualificado. Espero que seja exemplarmente punido. Em pleno século XXI, ainda persiste, sim, uma cultura machista em que as mulheres não podem estar no comando. E, se estão, correm o risco de ser alvo de barbárie e voltar para casa como eu, com o olho roxo, cheia de hematomas pelo corpo, um corte na cabeça e muita dor, física e psicológica.