Tipificação política aumentaria pena de assassino de petista
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A Polícia Civil do Paraná concluiu que o assassinato do guarda municipal petista Marcelo de Arruda pelo policial penal bolsonarista Jorge Guaranho teve motivo torpe e, tecnicamente, não será enquadrado como crime de ódio, político ou contra o Estado democrático de Direito, por falta de elementos para isso.
O anúncio da conclusão do inquérito nesta sexta-feira (15) sob esse enquadramento jurídico foi criticado por líderes petistas.
Não há na legislação brasileira tipos penais específicos de crime de ódio com motivação política e nem de crime político de matar adversário partidário ou ideológico, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Mas o caráter político pode ser considerado motivo torpe ou fútil do homicídio e elevar a pena de prisão ao máximo previsto na legislação brasileira, que é de 30 anos.
Eles apontam ainda que a motivação política de um delito é diferente de um crime político –que poderia ser aplicável no caso de violações contra o Estado democrático de Direito.
A presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) afirmou que “ficou evidente que a Polícia Civil do Paraná não quer reconhecer que foi cometido um crime de ódio com evidente motivação política que tem que ser investigada na alçada da Justiça Federal como requisitamos à Procuradoria-Geral da República na última terça-feira”.
A polícia diz que o crime ocorrido no último sábado (9) em Foz do Iguaçu teve início a partir de uma provocação do bolsonarista seguida de discussão por questões políticas e ideológicas. Mas diz que, para enquadrá-lo como um crime político, seriam necessários requisitos como o de tentar impedir ou dificultar outra pessoa de exercer direitos políticos.
A adoção da tese de homicídio qualificado também ocorreu no caso do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, que foi morto a facadas após uma discussão política em Salvador em 2018. O autor do crime, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, foi condenado em 2019 a 22 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado: por motivo fútil e impossibilidade de defesa da vítima.
Moa do Katendê estava em um bar no bairro do Engenho Velho da Federação, periferia de Salvador, quando discutiu com Santana sobre a eleição presidencial.
O capoeirista defendeu o voto em Fernando Haddad (PT) enquanto o agressor, aos gritos, defendia o apoio a Jair Bolsonaro, então no PSL —ambos disputaram o segundo turno.
Mas há uma diferença técnica entre os casos de Marcelo e Moa do Katendê: no primeiro o enquadramento foi por motivo torpe e, no segundo, por motivo fútil.
A advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos explica que o conceito de motivo torpe está mais ligado a condutas imorais, e o de motivo fútil se aproxima mais da ideia de banalidade, insignificância e desproporção entre o crime e a causa. Ambas situações qualificadoras estão previstas no artigo 121 do Código Penal.
A pena do homicídio simples vai de 6 a 20 anos de prisão, mas, se praticado com motivo torpe, a punição sobe para 12 a 30 anos.
Em geral, crimes de ódio são entendidos como aqueles que envolvem a aversão a determinados grupos e segmentos da população. Não existe na legislação brasileira, contudo, a previsão específica de crime de ódio.
Assim, não há um tipo penal expresso denominado crime de ódio com motivação política.
“Apesar da ausência desse rótulo específico, há normas no direito brasileiro que se enquadram ou podem incidir nesses casos”, explica o advogado criminalista Vinícius Assumpção
Ele aponta que o homicídio praticado com base em ódio a determinado grupo politico pode ser considerado como crime qualificado. Isso porque, neste caso, o ódio político seria considerado como motivo fútil ou torpe.
Para Samuel Vida, professor de direito constitucional da UFBA (Universidade Federal da Bahia), falar em motivação política do crime é diferente de crime político –o que ele considera que se aplicaria no caso de crimes contra o Estado democrático de Direito.
“Motivação política é diferente de crime político. Nós estamos falando da qualificação que dá o sentido ao crime e que portanto explica e serve de parâmetro interpretativo para avaliar a gravidade do crime”, disse.
Além disso, o exemplo mais evidente dentro do guarda-chuva dos crimes de ódio são as condutas previstas na Lei Caó, também conhecida como Lei do Racismo e que pune com pena de prisão o ódio racial, religioso ou de procedência nacional, destaca Assumpção.
Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), também a homofobia e da transfobia foram equiparadas ao crime de racismo até que o Congresso Nacional aprove uma legislação a respeito.
Outro exemplo é o feminicídio, em que a pena do crime de homicídio é aumentada quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Desde o ano passado, o Brasil possui em sua legislação os crimes contra o Estado democrático de Direito. Eles foram aprovados no mesmo projeto que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional, que era considerada um resquício autoritário da ditadura militar no ordenamento jurídico do país.
Um dos ilícitos previstos nesta nova lei foi o crime de violência política, que consiste em restringir, impedir ou dificultar “o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com emprego de violência física, sexual ou psicológica.
A pena é de três a seis anos de reclusão e multa.
Segundo a advogada Marina Coelho Araújo, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), “crimes políticos são condutas que de alguma forma afetam a ordem territorial, soberania e democracia instituídas”. “Ou ainda violação às pessoas dos chefes de Estado. Diz, portanto, sobre a violação de bens jurídicos essenciais à formação e estruturação do país em todos os seus aspectos principais”, afirma.
“No Brasil, tínhamos a Lei de Segurança Nacional que foi revogada em 2021, e hoje temos no título XII do Código Penal os crimes contra o Estado democrático de Direito”, completa.
Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada em Bolsonaro na campanha de 2018, foi denunciado e se tornou réu por um dos crimes previstos na agora revogada Lei de Segurança Nacional. No caso, no artigo 20, que definia o crime de “atentado pessoal por inconformismo político”. A pena era de três a dez anos de prisão, que poderia ser dobrada em caso de lesão corporal grave.
De acordo com a investigação, isso ocorreu porque o agressor disse que o que o motivou a cometer o atentado foi sua discordância das posições políticas de Bolsonaro.