Além de Lula, jovens apoiam urnas eletrônicas
Foto: Ilustração de André Mello
Jovens de 16 a 18 anos que vão votar pela primeira vez este ano confiam nas urnas eletrônicas e não acreditam na possibilidade de uma tentativa de golpe por parte do presidente Jair Bolsonaro (PL). É o que mostra uma pesquisa qualitativa encomendada pela Fundação Tide Setubal e obtida com exclusividade pelo GLOBO.
De acordo com o levantamento, a confiança na tecnologia utilizada no processo eleitoral não está associada à intenção de voto — ou seja, também é uma realidade entre eleitores de Bolsonaro, apesar dos diversos ataques do presidente às urnas e ao processo eleitoral.
“Até pode ser manipulado, mas acho mais difícil manipular uma coisa tecnológica do que manual. O manual é bem mais fácil de fraudar. Voto impresso é desculpa para fraudarem”, disse um dos entrevistados pela pesquisa, que é morador do Rio de Janeiro e eleitor de Lula.
“Eu estou procurando me informar, já perguntei para os meus pais e eles dizem que confiam e que não teve fraude”, afirmou um eleitor de Bolsonaro do Pará.
Os dados vão ao encontro de um levantamento quantitativo feito pelo Instituto Datafolha na semana passada, segundo o qual 83% de eleitores de 16 a 24 anos dizem confiar no sistema de urnas eletrônicas — sendo que 42% confiam muito e 41% confiam pouco. Entre os mais velhos, por exemplo, a confiança é menor: 76% para os eleitores com 60 anos ou mais, dos quais 51% confiam muito e 25%, pouco.
De acordo com a cientista política Camila Rocha, uma das responsáveis pelo estudo, os entrevistados jovens costumam dizer que a tecnologia é mais confiável do que as pessoas responsáveis por fiscalizar o processo.
— Os jovens tinham um conhecimento baixo das instituições responsáveis pela condução do processo eleitoral, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou mesmo sobre como funciona a eleição. Mas a confiança na tecnologia é alta. O que todos falavam é que não confiavam nas pessoas, ou seja, nos juízes responsáveis pelo processo eleitoral, porque acham que todas as pessoas, no limite, estão sujeitas a serem corrompidas e, a partir disso, a fraudarem o processo — analisa Camila, que ainda acrescenta. — Esses eleitores admitem que pode até haver alguma fraude, mas, independentemente disso, dizem que não vão se sentir desencorajados a votar e que precisam confiar que o processo vai funcionar.
Segundo a cientista política, os mais novos não acreditam que o Brasil vá passar por uma situação de golpe ou instabilidade institucional acentuada. Descartam, por exemplo, que ocorra uma situação parecida a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.
— Muitos diziam que as ameaças de Bolsonaro são da “boca para fora” e que não há a menor chance de um golpe acontecer, já que o Brasil tem uma democracia muito bem estabelecida. Se houvesse risco nesse sentido, eles afirmavam que a sociedade civil e as representações de outros países iriam se manifestar — relata Camila Rocha.
A maior parte dos entrevistados também é descrente da possibilidade de um golpe caso Bolsonaro saia derrotado das urnas. Declaram que o atual presidente não teria recursos para se manter no poder, ainda que alegue fraude.
Embora otimistas quanto à integridade do sistema eleitoral e da democracia, os mais novos temem uma escalada da violência política no país, de acordo com a pesquisa. Por isso mesmo, descartam participar de manifestações presenciais contra ou a favor de Bolsonaro. Mesmo os que podem ir às ruas defender o presidente da República têm receio de violências. A maioria diz que é preferível ficar em casa e se manifestar pelas redes sociais.
“Eu ia me trancar em casa, ainda mais com todo mundo armado. A internet é muito mais, o alcance é bem maior”, diz um jovem do Rio Grande do Sul que não é eleitor nem de Lula e nem de Bolsonaro.
“Muitas vezes o protesto não dá em nada. Faz quebradeira na rua, pode ter bomba de fumaça, só destruição, e não dá em nada. Pela internet eu também faria a mesma coisa”, afirma um eleitor carioca de Lula.
A pesquisa entrevistou 45 jovens nas cinco regiões do país. Os perfis abrangem diferentes intenções de voto. “Nem-nem” (que rejeitam Lula e Bolsonaro), indecisos, Bolsonaro e Lula. A socióloga Esther Solano e a cientista política Camila Rocha foram as responsáveis pela condução da pesquisa. Como qualquer estudo qualitativo, o objetivo não é espelhar a população como um todo, como explica, em detalhes, reportagem publicada pelo Pulso.
O levantamento buscou mapear o posicionamento político dos eleitores jovens que vão votar pela primeira vez este ano e concluiu que não há tendências claras nem para direita, nem esquerda.
Na faixa etária de 16 a 18 anos, o voto em Bolsonaro geralmente não está associado a alguma realização do governo para a juventude, mas à defesa de valores conservadores. Ainda é comum que esses eleitores digam que o atual governo foi limitado pela pandemia.
Os jovens que declaram voto em Lula, por sua vez, se identificam mais com as questões sociais e com a falta de oportunidades para os mais novos. Diferentemente dos bolsonaristas, citam feitos dos governos petistas, como o Programa Universidade para Todos (Prouni).
Boa parte desse eleitorado diz não conhecer toda a história de Lula. Souberam das informações sobre o ex-presidente pelos pais, redes sociais e programas na internet, citando, por exemplo, a entrevista do ex-presidente ao podcast PodPah.
Os eleitores jovens costumam se informar pela internet e tomam conhecimento da política de forma incidental pelas redes sociais e também pelas conversas com familiares, com quem, eventualmente, assistem televisão aberta e ouvem rádio.
A maioria dos entrevistados, independentemente da intenção de voto, criticou o fato de o posicionamento político de artistas e influenciadores ser feito de modo superficial, ou seja, sem explicitar as motivações do apoio.