Bolsonaro esqueceu a eleição e falou para sua bolha

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Foto: Reprodução

A entrevista no jornal mais visto do país tem que ter o objetivo de atrair eleitores que não votam no candidato. Nesse aspecto, Jair Bolsonaro fracassou. No JN, ele voltou a levantar dúvidas sobre as urnas eletrônicas, defendeu a cloroquina, criticou o Ibama por ter destruído equipamentos de criminosos ambientais, defendeu, como padrão de ministro, Ricardo Salles, que chegou a ser investigado pela polícia americana, e negou que tivesse havido o escândalo no MEC, pelo qual Milton Ribeiro foi derrubado. E pior, manteve seu compromisso com a ameaça às eleições, dizendo que reconhecerá “se as eleições forem limpas”.

O que se viu foi um homem entrincheirado em sua realidade paralela, que confirma o que os seus seguidores querem ouvir, mas não constrói pontes para além dos que hoje, em torno de 30%, estão dispostos a votar nele. E mais uma vez mantém a dúvida sobre se respeitará o resultado das eleições.

Normalmente, a estratégia de qualquer candidato num espaço como esse é avançar sobre eleitores indecisos ou de outros candidatos, persuadindo-os. E o faz através de falas novas e convincentes ou ataques a adversários mais próximos. O presidente Bolsonaro nada falou do ex-presidente Lula. Não pareceu proposital, parte de estratégia, mas sim resultado de ele ter ficado na defensiva durante quase o tempo todo.

O pior momento da entrevista foi sem dúvida ele ter registrado um condicionante para a aceitação do resultado das eleições. “Desde que sejam limpas.” Ou seja, ele confirmou a pergunta feita por William Bonner sobre sua falta de compromisso com a democracia. Ele havia chegado a dizer que aceitaria, mas depois colocou o condicionante

Um dos poucos bons momentos foi na economia, quando, diante dos dados, admitiu que as promessas foram frustradas “pela pandemia, pela seca enorme que tivemos no ano passado, pelo conflito na Ucrânia”. Apesar de a verdade ser que a resposta do governo foi muito ruim, e ele a tornou mais cara, com suas resistências às medidas de proteção num primeiro momento, essa resposta pareceu mais convincente. Em seguida ele disse que o Brasil é o único país que está em deflação e que está com menos inflação que a Inglaterra. Na verdade a inflação brasileira é de mais de 10%, e só caiu do patamar de 12% à custa das marretadas nos impostos sobre combustíveis e energia.

A deflação é pontual e provocada pela queda da energia e dos combustíveis. Isso alivia a classe média, mas não os pobres. A inflação dos alimentos deve terminar o ano em 12%, na avaliação do economista José Roberto Mendonça de Barros, mesmo com a queda para um digito da inflação geral. Quando o assunto é inflação, mais importante que o número é a sensação. Como os alimentos subiram muito, mesmo que caiam um pouco, o custo de vida é alto demais.

Sua capacidade de mentir foi comprovada logo na primeira pergunta quando disse que William Bonner mentia ao dizer que ele xingou ministros do Supremo. Foi lembrado de que chamou Alexandre Moraes de “canalha”, mas foram várias outras ofensas a outros ministros. Repetiu no caso do processo eleitoral todas as mentiras que já foram comprovadas pelo TSE e órgãos de verificação.

Na pergunta da Renata Vasconcellos sobre o meio ambiente, ele se enrolou completamente ao acusar o Ibama de “cometer abuso” por destruir o material usado no crime ambiental. Depois emendou que só pode ser destruído o que não puder ser retirado, mas imagina o que é tirar do meio da floresta tratores, dragas, retroescavadeiras.

Depois de três anos e meio no governo, um candidato tem toda a desenvoltura e os números para convencer os eleitores recalcitrantes de que ele merece uma segunda chance. A máquina trabalha para quem está dentro dela. Bolsonaro não conseguiu isso. Sobre a impressionante lista de erros no MEC feita pela Renata Vasconcellos ele deu a desculpa de que “as pessoas se revelam quando chegam, acontece, igual casamento”.

Bolsonaro saiu como entrou. Nada agregou. Sua falta de musculatura em entrevistas vem do fato de ter falado em ambiente totalmente confortável durante todo o seu governo. Nunca enfrentou o contraditório, falou para si mesmo e seus áulicos nas lives e em entrevistas combinadas e amigáveis. Por isso ficou nas cordas. Nem mesmo poderá dizer que não cometeu nenhuma gafe porque com todas as letras refez a ameaça que sempre faz às eleições.

O Globo