Bolsonaro não consegue mais comprar parlamentares
Foto: Claudio Belli/Valor
O bloqueio das emendas de relator-geral, um dos principais instrumentos de negociação política do governo federal com o Congresso, alcança R$ 7,6 bilhões neste ano. O número faz parte de levantamento realizado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal (Conorf), com base em dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
Com o Congresso desacelerando os trabalhos por causa da proximidade das eleições, é possível que a medida não tenha impacto nas votações de interesse do governo. O Ministério do Desenvolvimento Regional é o mais prejudicado pela medida, seguido das pastas da Saúde e da Cidadania.
As emendas parlamentares são recursos enviados por parlamentares para a sua base eleitoral a fim de que sejam aplicados em obras públicas, por exemplo. Mas parte desses recursos precisou ser bloqueada para que o governo federal cumpra o teto de gastos, o instrumento que limita o crescimento das despesas primárias (que excluem gastos com a dívida pública) à inflação do ano anterior. O Orçamento federal de 2022 prevê aproximadamente R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, as chamadas RP9.
Na avaliação do cientista político Humberto Dantas, o contingenciamento tem potencial para trazer atritos entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados no Congresso.
“Muito provavelmente se trata de um montante que foi prometido para alguém”, afirma, lembrando ainda que diversos parlamentares estão buscando a reeleição, o que torna as emendas ainda mais importantes neste momento.
De acordo com ele, “imagina-se que de forma inteligente” pelo menos parte dos recursos contingenciados iriam para parlamentares que não tentarão se reeleger ou senadores que já terão mais quatro anos de mandato a partir de 2023.
“A gente precisa ver como o governo vai resolver. Isso é articulação política pura”, afirma.
Já para David Verge Fleischer, professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), apesar de as emendas de relator representarem um ativo político nas mãos do governo federal, o bloqueio não significa necessariamente uma derrota para o presidente.
“O Congresso está meio parado por causa das eleições”, diz, destacando que isso diminui a pressão pela liberação dos recursos.
Segundo técnicos do Congresso ouvidos pelo Valor, a legislação eleitoral permite que as emendas sejam desbloqueadas ainda neste ano, desde que não sejam classificados como transferências voluntárias.
Entre os ministérios, o principal alvo de contingenciamento das emendas de relator é o do Desenvolvimento Regional, com bloqueio de R$ 3,659 bilhões. Na sequência vêm Saúde (R$ 1,629 bilhão) e Cidadania (R$ 739 milhões). O ministério para o qual a emenda será direcionada é estabelecido na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), e o parlamentar define apenas para qual Estado ou município, por exemplo, irá o montante.
Diversos especialistas em contas públicas criticam esse tipo de emenda, por considerá-la pouco transparente. Para Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), esse é apenas um dos problemas envolvendo as RP9.
“O que precisa ser complementarmente atacado é o valor disso. É um montante que não faz sentido, uma aberração”, diz, afirmando que os investimentos federais precisam ter um caráter “estruturante”. “Mas, de estruturante, isso não tem nada.”
Fleischer, da UnB, também critica tanto a falta de transparência quanto o volume das emendas de relator. “As comissões já têm as suas emendas, as bancadas partidárias já têm as suas emendas. Não falta acesso aos recursos”, afirma.
Já o bloqueio de outro tipo de emenda, as de comissão (RP8), soma apenas R$ 432 milhões neste ano, segundo o levantamento do Conorf.
Na semana passada, o governo federal aumentou o contingenciamento total do Orçamento de 2022 em R$ 2,1 bilhões, para R$ 14,8 bilhões. O bloqueio de R$ 7,6 bilhões das RP9 e de R$ 432 milhões das RP8 já está dentro desse montante.
Uma semana antes, a União já tinha elevado o contingenciamento total em R$ 6,7 bilhões, para R$ 12,7 bilhões. Segundo o Ministério da Economia, o bloqueio adicional de R$ 2,1 bilhões foi uma maneira de preservar despesas discricionárias, que na teoria podem ser cortadas livremente, mas que nesse caso eram “consideradas inadiáveis e relevantes”. Em junho, as discricionárias acumuladas em 12 meses do Executivo federal somavam R$ 155,2 bilhões.
De acordo com a pasta, entre as despesas inadiáveis estão gastos do próprio Ministério da Economia (para pagar despesas de custeio, como tecnologia da informação), com seguro rural e direcionados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros.
Além dos aproximadamente R$ 8 bilhões de RP8 e RP9 bloqueados, há cerca de outros R$ 6,2 bilhões contingenciados que são despesas discricionárias do Executivo e que não estão ligadas a emendas, segundo o levantamento do Conorf.