Brasil do massacre do Carandiru ainda é o mesmo
Foto: Nellie Solitrenick / Arquivo O Globo
Em 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo invadiu o presídio do Carandiru para reprimir uma rebelião. A ação durou cerca de 20 minutos e deixou 111 mortos. As imagens dos corpos empilhados chocaram o mundo. Viraram símbolo instantâneo da barbárie brasileira.
Três semanas depois, um deputado subiu à tribuna da Câmara para defender os responsáveis pelo banho de sangue. Disse que o massacre teria sido apenas um “ato enérgico”. “Não se pode determinar que policiais entrem numa prisão com um buquê de rosas”, ironizou.
Com o tempo, o Carandiru também virou sinônimo de impunidade. Até hoje, nenhum responsável pela chacina foi preso. O comandante da invasão, coronel Ubiratan Guimarães, ainda conseguiu se eleger deputado estadual. Num deboche com as famílias das vítimas, fez campanha com o número 111.
Entre 2013 e 2014, o Tribunal do Júri condenou 74 PMs a penas de até 624 anos de prisão. Os desembargadores paulistas anularam as sentenças antes que os réus fossem para a cadeia. O relator do caso declarou que “não houve massacre, houve legítima defesa”. A perícia já havia provado o contrário: não houve confronto, houve matança. Todos os detentos estavam desarmados, e 90% foram alvejados no pescoço ou na cabeça.
A antiga penitenciária foi implodida, mas o Brasil ainda é o país do Carandiru. Celebrada todos os dias na TV, a brutalidade policial continua a eleger populistas de direita. Em 2018, o político que fez a piada do buquê chegou à Presidência. Agora seus aliados querem sepultar de vez qualquer chance de punição pela chacina.
Na terça-feira, a Comissão de Segurança Pública da Câmara aprovou um projeto de lei que anistia todos os envolvidos no massacre. O relator, ex-sargento da PM, descreveu os condenados como coitadinhos. “Após quase três décadas, ainda sofrem perseguição político-ideológica”, escreveu.
Ontem o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, rejeitou um agravo dos policiais e manteve as condenações do júri. Como ainda cabem recursos, não há data para que as penas comecem a ser cumpridas. É quase certo que ninguém estará preso em outubro, quando o massacre completa 30 anos.