Candidaturas de negros pode mudar Câmara

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Foto: Abdias Pinheiro – 13.dez.21/TSE/Divulgação

O número de parlamentares negros na Câmara dos Deputados aumentou mesmo antes da eleição. A atual composição da Casa contava com 122 deputados federais declarados pardos ou pretos (23,8%), quantidade que agora subiu para 134 (26,1%).

Isso porque 42 parlamentares eleitos como brancos em 2018, entre titulares e suplentes que assumiram o cargo durante a legislatura, fizeram essa alteração nos registros apresentados para o pleito deste ano.

Outros 29, por sua vez, foram eleitos como pretos ou pardos e, nesta edição, se registraram como brancos —há ainda um deputado que se considerava pardo e agora mudou a autodeclaração para indígena.

Ao todo, 77 dos atuais deputados alteraram a declaração de cor para concorrer neste ano. São 15,5% dos 497 parlamentares em exercício que tentam um novo mandato, independentemente do cargo a que concorrem agora.

A mudança ocorre às vésperas da primeira eleição nacional na qual haverá destinação de dinheiro do financiamento de campanha para candidaturas de pessoas negras.

Considerando todos os cargos em disputa, 1.342 postulantes mudaram a autodeclaração racial no novo pedido de candidatura, em relação à que haviam apresentado no pleito anterior. Isso representa 21,1% daqueles que concorreram em 2018 e voltaram a se candidatar neste ano.

A troca mais frequente foi de branca para parda (549).

Em dezembro de 2021, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou resolução que estabeleceu regras de distribuição dos recursos do fundo eleitoral para este ano.

As legendas precisam distribuir o dinheiro para financiamento de campanha de forma proporcional para candidatos negros e brancos, levando em consideração o número de postulantes em cada partido.

Além disso, a partir deste ano os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados serão contados em dobro na definição dos valores do fundo partidário e do fundo eleitoral distribuídos aos partidos políticos. A medida será válida até 2030.

Para o cálculo, o TSE considera candidaturas negras aquelas registradas pelos postulantes autodeclarados como pretos ou pardos.

A disputa por uma vaga na Câmara terá neste ano um recorde de participação de candidatos declarados negros. Foram inscritos 4.932 postulantes pardos ou pretos, o equivalente a 47,7% do total. No pleito anterior, eram 3.561 concorrentes negros, ou 41,7%.

Diante das novas regras, o Brasil registrou também um recorde no total de candidaturas de pessoas negras e de mulheres em uma eleição geral (49,6% e 33,4%, respectivamente).

Reportagem da Folha no mês de junho revelou que registros irregulares na identificação racial de políticos inflaram de maneira artificial a quantidade de negros entre os 513 membros da Câmara dos Deputados.

Segundo dados oficiais do TSE, foram eleitos 124 deputados negros em 2018. Levantamento da Folha, contudo, mostra que esse número era menor.

A reportagem procurou 38 deputados que se autodeclararam negros na época (como pretos ou pardos), mas que teriam dificuldade de passar por uma banca de heteroidentificação, como as que avaliam se uma pessoa pode se inscrever como cotista num vestibular.

Oito deles afirmaram que são brancos e que houve erro no registro da candidatura. Os demais não se manifestaram. Ou seja, de acordo com essas respostas, o total de negros diminuiria no mínimo para 116, mas poderia cair para até 86.

Desses oito, apenas a deputada Mariana Carvalho (Republicanos-RO) manteve a autodeclaração como parda neste ano. Jorge Solla (PT-BA), Fábio Mitidieri (PSD-SE), Luiz Lima (PL-RJ), Léo de Brito (PT-AC), Zé Carlos (PT-MA), Flávio Nogueira (PT-PI) e Ricardo Teobaldo (Podemos-PE) se registraram como brancos.

O MPE (Ministério Público Eleitoral) notificou os diretórios de todos os partidos políticos no estado de São Paulo e cobrou esclarecimentos sobre erros nos dados raciais no registro de candidatos a deputado federal.

Na ação, que teve como base o texto do jornal, o MPE solicita que as legendas retifiquem dados de parlamentares com mandato em curso e adotem medidas para evitar a inserção errada de novos dados.

Até o momento, pelo menos 29 desses deputados federais que estavam registrados como negros em 2018 corrigiram a autodeclaração e se registraram como brancos para o atual pleito.

A Folha fez um novo levantamento e entrou em contato com os 42 deputados em exercício que mudaram a autodeclaração de branco para negro nos registros para a eleição de 2022. Eles foram questionados sobre a mudança e se eles se sentiam aptos a receber a verba destinada a candidaturas negras. Até a publicação da reportagem, seis retornaram.

A maioria dos deputados que mudaram o registro de branco para negro em 2022 possivelmente teria dificuldades em passar por uma banca de heteroidentificação.

Embora a questão racial no Brasil seja autodeclaratória, órgãos que aplicam políticas afirmativas costumam utilizar esse tipo de banca para evitar que o benefício vá para pessoas que não são identificadas socialmente como negras.

Entre os políticos que responderam à reportagem, a assessoria do deputado Professor Israel Batista (PSB-DF) informou em nota que “a simples declaração do candidato como pardo no registro de sua candidatura não afeta a quantidade de recursos a ser destinada a ele pelo partido”.

Segundo o texto, a prova disso é que a “ata da convenção eleitoral do PSB-DF não inclui o professor entre os que se autodeclaram negros para fins da destinação de recursos”.

Outros dois parlamentares informaram que houve erro no preenchimento das informações e que já estavam providenciando uma petição para a alteração do registro. É o caso dos deputados Fernando Monteiro (PP-PE) e Christiane Yared (PP-PR).

A assessoria do deputado Luís Miranda (Republicanos-SP) informou em nota que o registro do parlamentar está correto. “Nas eleições de 2018, o formulário foi preenchido por terceiros e a informação passou desapercebida. Em 2022, por regulamentação do TSE, foi necessário observar com maior atenção o preenchimento desse dado.”

O deputado Denis Bezerra (PSB-CE) também confirmou a mudança no registro. “Entendi ser necessária a mudança para melhor retratar a minha cor/raça. Sou pardo”, disse. “Não há qualquer relação entre a recente mudança eleitoral citada com a minha declaração de cor, já que tendo ou não tendo verba destinada a candidaturas negras, continuarei sendo pardo.”

O candidato Da Vitória (PP-ES) informou que fez a mudança porque anteriormente o registro estava errado. “Sou pardo, como consta em minha certidão de nascimento. Não considero a cor como algo determinante para receber recurso público. Fui fiel à minha raça”, afirmou o parlamentar.

Além disso, 420 dos atuais deputados federais que são novamente candidatos não mudaram suas autodeclarações neste ano.

Entre eles estão parlamentares como Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Flávia Arruda (PL-DF), autodeclarados pardos. Assim, ambos também terão direito ao benefício destinado a pessoas negras.

Procurada, a assessoria do Arthur Lira informou que ele não comenta o assunto.

Folha