“Despachante de armas” é a profissão do momento
Foto: Gustavo Pazzini/Arquivo pessoal
Obter uma arma de forma legal se tornou mais fácil no Brasil depois de 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) assumiu a Presidência da República e deu início à implantação de uma política de armamento da população civil por meio, principalmente, da flexibilização das regras. Apenas entre os colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), categoria que foi amplamente beneficiada na atual gestão, o número de armas nas mãos saltou de 197.390 em 2019 para 673.818 neste ano.
O aumento da procura por armas pelo cidadão acabou levando também à expansão de um negócio que antes era mais comum nas negociações envolvendo veículos: a dos despachantes de armas.
Um dos motivos é que, apesar das mudanças promovidas por Bolsonaro, ainda é necessário apresentar uma série de documentos para obter o porte, posse ou registro de uma arma, além de realizar exames psicológicos e comprovar que não responde a processos criminais. Esse profissional é contratado para reunir a documentação necessária e apresentá-la à Polícia Federal (no caso do cidadão comum) ou no Exército (no caso dos CACs). Anúncios sobre esse tipo de serviço na internet, inclusive com alerta de promoções, são cada vez mais comuns.
Há vários exemplos do “boom” desse tipo de atividade. Um deles é o de Gustavo Pazzini, de 32 anos, que já fazia esse serviço em 2018, mas expandiu o seus negócios a partir do ano seguinte, com a ascensão de Bolsonaro. Ele abriu o G16 Universidade do Tiro, um misto de clube e loja de armas que funciona 24 horas por dia em São Paulo. A procura aumentou tanto que Gustavo constrói a quarta unidade. Apoiador do presidente nas redes sociais, o empresário reclama das mudanças barradas pelo Judiciário e pelo Legislativo, como a suspensão pela ministra Rosa Weber, do STF, em abril do ano passado, de vários dispositivos dos decretos de Bolsonaro como a possibilidade de aquisição de armas para a prática de tiro esportivo sem registro prévio e o porte simultâneo de duas armas. “As coisas vêm melhorando, mas acredito que dá para liberar mais”, defende.
Graziela Farias, dona da Goldshot Despachante, é outra que investe nesse tipo de atividade. Ela faz todo o processo de forma online para clientes de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Segundo ela, a procura só aumenta desde 2019, quando abriu o negócio –atualmente, ela atende de 30 a 50 pessoas por mês. A empresa oferece também um tipo de serviço que está se tornando cada vez mais comum: além de cuidar da documentação, ela vende o pacote completo, com uma pistola 9mm incluída, por cerca de 6.600 reais.
A atividade não é ilegal. No entanto, há investigações sobre esquemas irregulares envolvendo esse segmento. No último dia 1º de agosto, por exemplo, a Polícia Federal prendeu no Piauí uma despachante acusada de falsificar documentos para a aquisição de armas de fogo. Dois instrutores de tiro também foram afastados de suas funções.
Reportagem de VEJA desta semana mostra que a flexibilização descontrolada promovida pelo governo Bolsonaro facilitou a compra de armamento pesado para o crime no mercado legal. Há indícios que facções como o PCC utilizam laranjas para adquirir armas como CACs. Como VEJA mostrou, o número de roubos e furtos de atiradores e colecionadores também aumentou em 2021 e 2022, além de perdas e extravios.
“A gente está imitando o que acontece nos Estados Unidos, com um total descontrole de posse e porte de arma. Qualquer novo governo que for aplicar medidas sobre controle de armas no Brasil vai ter muito trabalho, porque essas armas já estão em circulação”, afirma Ivan Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.