Empresário paga Bolsonaros para minerar em terras indígenas
Foto: André Coelho – 22.jan.2020/Folhapress
O empresário Luis Felipe Belmonte atuava junto ao Palácio do Planalto para legalizar a mineração em terra indígena no mesmo período em que repassou valores a ao menos três pessoas do círculo próximo de Jair Bolsonaro, indicam mensagens em posse da Polícia Federal.
Belmonte é aliado do presidente da República e foi um dos principais responsáveis por tentar criar a Aliança pelo Brasil, partido bolsonarista que acabou naufragando.
Os movimentos do empresário pela exploração das terras indígenas estão registrados em conversas que constam no inquérito que investigou os atos antidemocráticos de abril de 2020.
Belmonte foi alvo da PF na operação deflagrada a pedido do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e teve celular e computadores apreendidos. As conversas ocorreram do final de 2018 ao primeiro semestre de 2020.
Os diálogos mostram que o empresário atuava para atrair lideranças indígenas ao mesmo tempo em que investia junto ao Planalto na produção de um texto para ser encaminhado ao Legislativo.
Na mesma época, mostram informações do inquérito dos atos antidemocráticos, Belmonte se aproximou de pessoas próximas ao presidente e efetuou repasses de dinheiro.
Um dos beneficiados foi Jair Renan, filho de Bolsonaro, que recebeu R$ 9,5 mil em 2020 para reforma do escritório de sua empresa. O caso é investigado em um inquérito da PF, para onde as mensagens também foram enviadas por autorização do ministro Alexandre de Moraes.
A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, também recebeu R$ 634 mil por meio de seu escritório. A Sergio Lima —um dos marqueteiros da campanha de Bolsonaro à reeleição— e seu sócio, Walter Bifulco, foi destinado R$ 1,5 milhão via empresas de comunicação.
Em agosto de 2019, quando os repasses para Kufa e para as empresas de comunicação já tinham sido efetuados, Belmonte recebeu da mulher, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), uma mensagem com críticas aos gastos com a empresa de comunicação.
Na resposta para a esposa, o empresário cita Kufa e diz que o objetivo era se aproximar do Palácio do Planalto e viabilizar o “projeto dos indígenas”.
“Projeto de comunicação: envolve três fatores, a) comunicação e imagem, propriamente dito; b) aproximação com o Planalto e viabilização do projeto dos indígenas. O Presidente já deu sinal verde e já fez comunicação pública. Estou trabalhando no caso com o governo e com a Karina, advogada pessoal dele; c) preparação do Portal.”
Belmonte complementa: “Quanto aos indígenas, levei a proposta ao presidente. Foi pedido que eu prepare o decreto. Provavelmente ainda este ano começaremos a extração”.
À Folha Belmonte disse que não há nenhuma relação entre os pagamentos e a defesa da liberação de garimpo em terras indígenas.
Ele afirmou que nunca conversou com Bolsonaro sobre o tema e que apenas uma vez discutiu a proposta em uma reunião com o ministro Jorge Oliveira (então secretário-geral da Presidência, hoje ministro do Tribunal de Contas da União).
Belmonte indica ainda que o texto enviado à mulher era apenas uma tentativa de se desvencilhar das críticas dela.
Kufa e Sergio Lima também negam relação entre os pagamentos recebidos e o lobby da mineração.
O governo Bolsonaro atua para liberar a exploração mineral das terras indígenas desde o início do seu mandato e, em 2020, enviou um projeto de lei ao Congresso assinado pelos então ministros da Justiça, Sergio Moro, e Minas e Energia, Bento Albuquerque.
No início de 2022, houve aprovação de tramitação em regime de urgência, mas desde então o texto está parado em um grupo de trabalho. Nas mensagens, Belmonte faz vários relatos de encontros para tratar do tema.
Em 16 de agosto de 2019, ele fala com um interlocutor que está sendo chamado ao Planalto e que irá expor as suas estratégias. Dias depois, manda uma mensagem a uma pessoa de nome Samir:
“Saindo agora de longas reuniões no Palácio do Planalto. A ideia de decreto para regulamentar à cata, faiscação e garimpagem está sendo muito bem recebida”.
Belmonte também manteve conversas com líderes indígenas em que são citados pagamentos de pequenos valores a eles.
Um é Alvaro Tukano, que apoia a mineração no Alto Rio Negro, no Amazonas.
O indígena já esteve com o presidente Jair Bolsonaro e o acompanhou em uma visita ao território Yanomami em maio de 2021. O vice-presidente Hamilton Mourão também já recebeu Alvaro Tukano no Planalto.
A foto do encontro foi enviada a Belmonte em 25 de setembro de 2019 pelo indígena. Um dia depois, em outra mensagem, Tukano afirma: “Não se esqueça de alimentar minha conta bancária”.
A conversa também mostra o envio de uma procuração em nome de Belmonte para que ele represente a Cooperindio (Cooperativa de Trabalho dos Índios da Terra Indígena Balaio do Alto Rio Negro).
Em nota, Karina Kufa confirmou que chegou a receber uma proposta para atuar em processo judicial para representar uma associação de mineradores em conjunto com Belmonte, mas disse que as tratativas não avançaram e que ela nem sequer chegou a estudar o caso.
“O valor refere-se a repasse para a ICTS Provit para pagar uma auditoria contra o PSL”, disse, acrescentando não ter qualquer relação profissional ou política com Belmonte há muitos anos.
Sergio Lima disse que Belmonte nunca tratou com ele sobre o assunto. “Duvido que ele tenha tratado isso no Palácio. Ele nunca teve real aproximação do Planalto. Se ele fez algum negócio comigo para ter aproximação lá, se frustrou.”
Sobre os valores recebidos, ele diz ter dado as explicações à PF de que foram pagamentos a serviços prestados e para a criação de uma sociedade entre eles, que acabou não prosperando.
“A gente encerrou essa empresa. Provavelmente isso [dinheiro pago por Belmonte] vai ficar no passivo do negócio, porque não foi para frente”, afirmou, o que contradiz versão de Belmonte.
A Folha não conseguiu contato com a defesa de Jair Renan. Em manifestações anteriores, ela afirmou que o filho do presidente jamais pediu dinheiro ou atuou em nome de qualquer empresa no governo.
O empresário Luís Felipe Belmonte afirmou que cada um dos pagamentos que fez tem razões diferentes e que eles não guardam relação com o projeto de liberação da mineração em terras indígenas.
De acordo com Belmonte, os repasses a Sergio Lima se referem a um empréstimo, que já estaria sendo pago de forma parcelada, e à produção de um trabalho audiovisual.
Kufa, prossegue ele, recebeu os valores por uma perícia judicial –ele não disse qual é, afirmando ser “assunto confidencial de advogados”. Jair Renan teria recebido patrocínio em valores irrisórios se comparados a outros realizados por ele.
“O meu contato para viabilizar a questão de aperfeiçoamento da legislação foi na minha condição de suplente de senador. A gente estava trabalhando no Congresso uma solução para o assunto, não tem absolutamente nada a ver uma coisa com a outra.”
Belmonte indica ainda que a mensagem à mulher foi um mero jogo de palavras para abrandar a resistência dela.
“Ela estava me cobrando umas coisas e eu estava querendo que ela simplesmente me deixasse resolver o que eu quisesse. Falei, Paula, deixa que eu estou fazendo meus contatos”, disse.
O empresário afirmou ainda que seu real interesse na ocasião era participar da criação do Aliança pelo Brasil, projeto em que diz ter gasto de R$ 300 mil a R$ 500 mil de recursos próprios.
Sobre os pagamentos aos indígenas, afirmou que estava fazendo apenas caridade e que os contratos assinados eram para atuação como advogado.
“Eu entrei com uma ação para eles terem o direito de fazerem a garimpagem. Qual foi a única coisa que eu sugeri ao governo? Foi que antes de se fazer qualquer tipo de licitação da área indígena, que os indígenas teriam que ter a prioridade de exploração das áreas deles.”
O advogado disse que, em caso de legalização, ele negociaria novo contrato. “Na medida em que isso fosse legalizado, qual é o problema de ter interesse econômico em uma atividade legalizada?”
Moro e Oliveira não se manifestaram. A Folha não conseguiu falar com Bento Albuquerque nem com Alvaro Tukano.