Evangélicos pobres ficam com Lula e ricos com Bolsonaro

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Foto: Miguel Schincariol – 20.ago.22/AFP

As campanhas de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazem apostas diferentes para cativar o eleitorado evangélico. A do atual presidente elegeu a pauta moral, enquanto a do petista prefere virar a chave para o tema econômico, na expectativa de que a dificuldade de garantir o pão nosso de cada dia, em meio à crise, leve esse fiel a rejeitar mais quatro anos de bolsonarismo no poder.

Números da mais recente pesquisa Datafolha mostram que as duas estratégias podem ganhar tração, a depender do grupo social. A arrancada de Bolsonaro nessa parcela religiosa se deve sobretudo aos fiéis de renda média e alta, enquanto, entre os mais pobres, Lula se mantém em empate técnico com o rival.

Novo recorte feito pelo Datafolha revela que o ex-presidente tem 41% das intenções de voto no primeiro turno entre os evangélicos que ganham até dois salários mínimos, contra 38% de Bolsonaro. Esse grupo representa 53% dos fiéis entrevistados.

Na outra fatia, entre os evangélicos que recebem mais de dois salários mínimos por mês, Bolsonaro dispara: tem 61% da predileção, e o petista, 22%.

A conta explica a prevalência do presidente nesse nicho como um todo: 49% dos evangélicos estão com ele, e 32% dizem optar por seu adversário à esquerda.

O levantamento indica também que a questão econômica divide espaço com a identidade religiosa na formação do voto de parte dos fiéis. Quanto menor a renda, mais sensível fica esse eleitor a fatores como a inflação.

A tendência de votar em Lula cresce. Não o bastante, contudo, para impedir que crença e temas morais roubem votos do petista entre os mais pobres, como sugere o resultado do Datafolha.

O desempenho do ex-presidente entre os evangélicos de baixa renda é bem inferior ao apoio de 60% que ele tem entre eleitores pobres de outras religiões ou sem religião.

Já a dianteira de Bolsonaro entre crentes com renda superior a dois salários sinaliza que o componente religioso encontra terreno mais fértil na porção do eleitorado que pode ter sentido algum alívio no cenário econômico.

De acordo com a pesquisa, os brasileiros de renda mais polpuda perceberam um impacto maior de medidas como a redução do preço dos combustíveis e alguma recuperação no mercado de trabalho. Eles também demonstram mais otimismo com a economia do que os mais pobres.

Esse conforto relativo pode explicar a redução do peso das preocupações econômicas na formação do voto, facilitando a infiltração de temas morais martelados pelos bolsonaristas —aborto, drogas etc.

Entre evangélicos de renda média e alta, 54% consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom, enquanto 20% tacham a gestão de ruim ou péssima. Na faixa de fiéis de baixa renda, a aprovação ao presidente é de 35%, e a desaprovação, de 34%.

As margens de erro dos resultados por faixa de renda dentro desse segmento cristão são de quatro pontos percentuais (para mais ou para menos). No levantamento geral, em que não se faz distinção religiosa, é de dois pontos (para mais ou para menos).

De acordo com o levantamento, realizado de 16 a 18 de agosto com 5.744 pessoas de 281 cidades e registrado no TSE com o número BR-09404/2022, evangélicos são 1 em cada 4 brasileiros.

As diferenças na avaliação do governo se refletem nos índices de rejeição a Bolsonaro. No grupo de evangélicos de baixa renda, 44% dizem não votar no presidente “de jeito nenhum”. Na faixa acima, 24% dos fiéis rejeitam Bolsonaro.

A balança se inverte no caso de Lula: 40% dos evangélicos mais pobres não votam no petista, e essa oposição chega a 67% entre fiéis com renda superior a dois salários mínimos.

A disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro faz com que o cenário se repita nas projeções de segundo turno. O petista é o favorito de 47% dos evangélicos mais pobres, mas tem o apoio de apenas 25% entre aqueles com renda maior. Já o atual presidente está em empate técnico com Lula no primeiro grupo, com 43%, mas abre vantagem na segunda faixa dos fiéis —aparece com 68%.

Para o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico, essa pormenorização do comportamento eleitoral dos fiéis traz implicações para os próximos passos das campanhas.

“Se Bolsonaro conseguisse melhorar a economia, teria um índice de votação ainda maior no grupo. Do ponto de vista da estratégia lulista, introduzir a questão econômica dialoga com os evangélicos mais pobres.”

Dados do Iser (Instituto de Estudos da Religião), segundo um de seus pesquisadores, o sociólogo Clemir Fernandes, corroboram o que o Datafolha aponta: “A chamada pauta moral-religiosa é importante para o eleitorado evangélico mais pobre, principalmente mulheres, mas não é determinante para decisão final do voto”, afirma.

“A inflação é um agravante, mas a pobreza aguda e continuada desse enorme contingente é fator racional de opção por Lula, tido como o mais capaz de enfrentar a luta contra a pobreza.”

Valle ressalta que o sufoco financeiro sentido pelas camadas mais vulneráveis pode até ser um dique contra a dianteira de Bolsonaro nas igrejas, mas evangélicos pobres ainda assim abraçam Lula menos do que o brasileiro médio de igual renda.

“Isso permite caracterizar esse segmento como mais conservador em termos de voto. É um dos motores, portanto, em sentido contrário ao conjunto da população.”

Folha