Exército ignora partidarismo explícito de membros
Foto: Isac Nóbrega/PR
Mais do que um novo capítulo da queda de braço entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério da Defesa, a exclusão do coronel Ricardo Sant’Anna do grupo de militares enviados para fiscalizar o código-fonte das urnas eletrônicas, revela a infração a uma portaria do próprio Exército.
No ofício enviado ao ministro Paulo Sérgio Oliveira, os ministros do TSE, Edson Fachin, e Alexandre de Moraes, limitam-se a expor a ausência de isenção de fiscalizadores que divulgam, a priori, notícias falsas sobre o processo de votação.
Entre as “reprimendas normativas” não especificadas no ofício está a Portaria 453, do Exército, assinada pelo atual ministro, à época, comandante da Força. Datada de 19 de julho do ano passado, esta portaria tornou ainda mais restritos os cargos responsáveis pelo gerenciamento das redes sociais da corporação e reitera as limitações inerentes aos perfis pessoais dos militares. Esta portaria veio a substituir uma outra, de 2019, assinada pelo antecessor de Oliveira, Edson Pujol, primeira norma restritiva da era Bolsonaro sobre a relação dos militares com redes sociais.
O artigo 11 da portaria hoje em vigor diz o seguinte: “A criação e perfis pessoais é de livre arbítrio, sendo o criador do perfil responsável por todas as suas interações digitais, observando-se fielmente o prescrito no Estatuto dos Militares e no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), além do ordenamento jurídico vigente.
O estatuto veda claramente a manifestação em assuntos políticos e impõe que se acatem autoridades civis. O regulamento disciplinar reitera a vedação a manifestações político-partidárias e a discussão, “por qualquer veículo de comunicação”, de assuntos político ou militares.
Em janeiro deste ano, o ainda comandante Paulo Sérgio, em uma diretriz sobre a pandemia, voltou ao tema: “Não deverá haver difusão de mensagens em redes sociais sem confirmação da fonte e da veracidade da informação”.
O coronel Ricardo Sant’Anna foi além da infração da norma. Expôs, com suas manifestações em rede social, o partidarismo da atuação do Exército na fiscalização do processo de votação que vem sendo, diuturnamente, exposto pelos ministros do TSE.
Não há dúvida que o coronel, além de afrontar a conduta do cargo ao qual foi designado na fiscalização do TSE, infringiu normas da própria corporação. A dúvida é se será punido. Em maio o major João Paulo Alves foi preso em Teresina. Ele já respondia a inquérito por descumprir ordens quando foi flagrado em manifestações em suas redes em apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
Teve sua prisão pedida pelo Ministério Público militar, com base no Regulamento Disciplinar do Exército, e decretada por um juiz da Auditoria Militar da 10ª Circunscrição Judiciária depois que uma reportagem do “g1” revelou seu ativismo político. Deixou a prisão depois de um mês, por meio de um habeas corpus, e, apesar de continuar a responder a inquérito, deixou a corporação para se candidatar a deputado federal.
A trajetória do major repete a do próprio presidente da República, que safou-se de uma punição ao recorrer ao Superior Tribunal Militar e deixou a corporação em seguida para disputar um mandato na Câmara de Vereadores do Rio em 1988.
Mais sorte que o major piauiense teve o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que subiu num palanque do presidente da República no Rio na condição de general da ativa que manteve ao longo de toda sua permanência no cargo. Na ocasião, dirigiu-se aos manifestantes ao microfone. O atual ministro da Defesa comandava o Exército à época e arquivou o procedimento interno que apurava a transgressão do ex-ministro. Pazuello, a exemplo do major João Paulo, é candidato a deputado federal pelo PL do Rio.
A política acaba sendo o destino natural dos militares do Exército que infringem a proibição às manifestações políticas. Um levantamento em posse do tribunal sobre o ativismo de forças de segurança com ataques ao judiciário e às eleições, entre maio e junho, revela que os militares do Exército foram ainda mais ativos que policiais federais e policiais militares em redes, por exemplo, como o Instagram. Enquanto os militares do Exército foram responsáveis por 18 ataques, os PFs e PMs foram responsáveis, respectivamente, por 10 e 14 postagens.
Neste levantamento, porém, a totalidade das mensagens citadas refere-se a militares do Exército que deixaram a corporação para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados ou nas Assembleias Legislativas.
Gilberto Silva, um cabo da Paraíba que hoje é candidato a deputado federal pelo PL é um dos mais ativos deste levantamento. Em 18 de junho, logo depois da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, o cabo, que exerce mandato na Assembleia Legislativa do seu Estado, espalhou em suas redes uma charge dos 11 ministros com a provocação “A instituição que está exigindo a presença de segurança nos confins da Amazônia, é a mesma que proibiu a polícia de subir o morro do Rio de Janeiro”.
São esses perfis de militares que ingressaram na política os mais ativos na cobrança pela impressão do voto. Inspiram-se no próprio ministro da Defesa, Paulo Sérgio Oliveira, que afirmou, em ofício timbrado ao TSE, não interessar “concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores”. As provocações do ministro, reiteiradamente rejeitadas pelo TSE, tornam mais difícil a punição dos ativistas de quartel, mas dão substrato para as bancadas militares na política.