Explodem fake news no TikTok
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Rede social formatada para a viralização intensa de conteúdo, o TikTok expandiu a fronteira da desinformação que já corre solta em plataformas concorrentes. Levantamento do GLOBO identificou a circulação de vídeos com ataques e fake news envolvendo candidatos à Presidência — um deles sugere que a facada no então candidato Jair Bolsonaro (PL), em 2018, não ocorreu; outro afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se eleito, vai acabar com o Pix. Trinta vídeos envolvendo as eleições acumulam cerca de 15 milhões de visualizações, além do alcance desse material compartilhado fora do aplicativo.
Esta é a primeira campanha presidencial com presença relevante do TikTok no país. A plataforma tem particularidades que beneficiam a disseminação de desinformação, o que vem preocupando as campanhas. Há recursos que não constam ou são menos aproveitados em outras mídias, como Instagram, YouTube, Facebook e Twitter, a exemplo do botão que facilita o compartilhamento via WhatsApp.
Incentivo à imitação e replicação, por exemplo, estão na base da sociabilidade da rede social. Embalado por um feed ágil de rotação de vídeos, o aplicativo foca nesses dois comportamentos, e não em conexões interpessoais. A tela principal, no lugar de exibir o conteúdo postado por amigos, apresenta sugestões baseadas em inteligência artificial.
Ao contrário de YouTube e Instagram, o TikTok tem como forte vídeos com curta duração. A rede social dispõe de pouco espaço para texto, o que facilita que o conteúdo seja descontextualizado. É o que possibilita que qualquer narrativa seja criada para “preencher” uma imagem qualquer.
Um exemplo disso são os vídeos que sugerem maliciosamente que Lula, que costuma levar consigo uma garrafa d’água durante os comícios, estaria bebendo cachaça nessas oportunidades. Apenas três publicações sugerindo o vício do petista em álcool, uma delas feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), atingiram ao menos 6,6 milhões de visualizações na rede.
Ícones e recursos de edição são também o forte do aplicativo e auxiliam a transmissão viral. Em um clique, o usuário pode optar por compartilhar o áudio de um vídeo e fazer sua própria versão do conteúdo, tirando aquele som do contexto original.
— Qualquer um pode pegar um vídeo de um candidato ou de uma artista e colocar uma gravação diferente, como uma mensagem política. Bastam cinco minutos e um pouco de criatividade — diz o presidente do Instituto Vero, Caio Machado, que pesquisa desinformação
Quatro vídeos com áudios apócrifos, atribuídos enganosamente ao ex-deputado Aldo Rebelo, culpando Lula pela alta dos combustíveis no Brasil, marcaram mais de 200 mil visualizações. Eles foram compartilhados por cima de imagens do ex-parlamentar, sugerindo sua autoria.
A campanha de Lula obteve ontem uma decisão liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concedida pelo ministro Raul Araújo, para remover o conteúdo do TikTok e de outras redes, e também postagens segundo as quais o PT manipularia pesquisas eleitorais. Araújo destacou que o Judiciário deve interferir o mínimo possível na campanha, mas citou o papel do tribunal na “proteção ao direito da veracidade da informação e da honra dos atores do processo eleitoral”. A coligação de Lula já apresentou ao TSE 15 ações por propaganda irregular em razão de desinformação na internet e conseguiu algumas vitórias recentemente, como nos casos de ontem.
As particularidades na interface do TikTok tornam a rede social uma ferramenta em que há facilitação de acesso a factoides, na avaliação do coordenador de Direito do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio, Christian Perrone. Ele explica ainda que há, na plataforma, ferramentas que agilizam a edição de vídeo e áudio sem muita dificuldade, o que, no seu entendimento, pode ensejar a criação e o compartilhamento de conteúdo manipulado.
— Essa função do TikTok permite a manipulação de conteúdo, podendo gerar diversas formas de desinformação, desde as deep fakes. Quando há a manipulação de conteúdo de vídeo, que faz um mix de audiovisual, gera um material com maior credibilidade e tende a reforçar a compreensão de que, de fato, se trataria de algo verídico ou com algum grau de potencialmente ser verídico — explica
À esquerda do espectro político, vídeos colocando suspeição no atentado sofrido por Bolsonaro — apelidado de “fakeada” —, às vésperas da eleição de 2018, somam mais de 3 milhões de visualizações. Tratam-se, principalmente, de trechos retirados de um autointitulado documentário cujo objetivo é desacreditar o ataque sofrido por Bolsonaro.
À direita, há também vídeos afirmando que Lula planeja acabar com o Pix. Embora o mecanismo tenha sido criado e implementado por analistas e técnicos do Banco Central, Bolsonaro vem mencionando a inovação, que trouxe praticidade à transferência bancária, como um feito do seu governo. Nos vídeos que circulam, banqueiros estariam tramando com o petista para revogar a ferramenta.
Se, por um lado, o TikTok vem ganhando escala rapidamente e se colocando como uma rede social de peso, por outro, a empresa está atrás das concorrentes em sua proatividade no combate a mentiras e conteúdo falso.
— O TikTok não desenvolveu ainda mecanismos de controle da desinformação viral como as outras plataformas — acrescenta Machado.
Procurado pelo GLOBO, o TikTok informou que leva a sério a responsabilidade de proteger a integridade da plataforma e das eleições.
“Proibimos e removemos informações falsas sobre processos cívicos, comportamento de ódio e outras violações de nossas Diretrizes da Comunidade, trabalhamos com agências parceiras, como o Estadão Verifica, para verificar informações em nossa plataforma. Também contamos com uma série de recursos para ajudar os usuários a terem acesso a conteúdo educativo e confiável sobre as eleições brasileiras”, afirmou a plataforma em nota.
Em seu site, o aplicativo destaca que fechou uma parceria com o TSE para combater desinformação e diz se comprometer com a remoção de conteúdos “enganosos e danosos sobre processos cívicos”. (Colaborou André de Souza)