Fake news podem tirar mandato de eleitos

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Foto: Cristiano Mariz/ O GLOBO

A divulgação de fake news durante o período eleitoral deste ano pode ter consequências graves a candidatos, podendo resultar até mesmo na perda do mandato caso seja eleito. É o que determina uma resolução publicada em 2021 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que define especificamente questões relativas a propaganda e condutas ilícitas nas campanhas.

De acordo com a norma, é proibido divulgar ou compartilhar “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinja a integridade do processo eleitoral”. O texto da norma diz o seguinte: “É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinja a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação”.

Ou seja, caberá aos juízes eleitorais analisarem os casos envolvendo a divulgação de notícias falsas. Assim, será o magistrado quem dirá se uma fake news levada por um candidato ao horário eleitoral, por exemplo, terá como consequência uma multa, a perda do tempo de propaganda ou, até mesmo em um caso mais drástico, a cassação do registro da candidatura.

Mas a punição não será aplicada apenas àqueles que divulgar fake news no horário eleitoral. Em maio, durante um evento realizado no TSE, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o candidato que divulgar fake news em redes sociais capazes de influenciar o eleitor deve ter o registro cassado. Moraes será o próximo presidente da Corte, e assume na próxima terça-feira, dia 16.

“Notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro daquele que a veiculou”, disse na ocasião.

De acordo com a Lei da Inelegibilidade, o uso indevido dos meios de comunicação, além de abuso de poder político e de autoridade são práticas ilegais. Foram essas condutas que, em 2021, fizeram com que o plenário do TSE cassasse o mandato e tornasse inelegível o deputado estadual eleito pelo Paraná em 2018 Fernando Francischini, que divulgou notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação. Ele foi o primeiro parlamentar a perder o mandato por ataques ao sistema eleitoral.

No dia da eleição de 2018, Francischini fez uma live para espalhar a notícia falsa de que duas urnas estavam fraudadas e aparentemente não aceitavam votos no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro. Na transmissão, ele também afirmou que urnas tinham sido apreendidas e que ele teria tido acesso a documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam a fraude.

No vídeo analisado pelos magistrados, Francischini diz que está “estourando em primeira mão” uma informação a seus seguidores e que estaria “com toda documentação da própria Justiça Eleitoral” que comprovaria a fraude em duas urnas eletrônicas.

Na ocasião do julgamento, o relator do caso no TSE, ministro Luís Felipe Salomão, que à época estava na Corte, entendeu que a conduta de propagar desinformação pode configurar uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político. Essa foi a primeira vez que a Corte discutiu essa questão. O ministro classificou as informações divulgadas por ele como “absolutamente falsas” e “manipuladoras”, e que levaram a erro milhões de eleitores.

Para o advogado especialista em Direito Eleitoral Luiz Eduardo Peccinin, a resolução que dispõe sobre ataques ao sistema eleitoral em si está apenas normatizando aquilo que a jurisprudência do TSE já consolidou após o caso Francischini. Ele pondera, no entanto, que a eficácia da norma dela só virá com a devida fiscalização e agilidade na apuração dessas infrações pela Justiça Eleitoral.

— Não somente o Ministério Público deve estar aparelhado para verificar esses ataques, mas também os demais partidos e candidatos, que possuem legitimidade para atuar frente a qualquer ilícito eleitoral — explica o especialista.

Na avaliação do jurista, a divulgação de ataques infundados e fake news sobre as urnas eletrônicas ou o sistema eleitoral na propaganda é proibida, podendo ser removida imediatamente pela Justiça Eleitoral e o candidato ainda responder criminalmente pela mensagem.

— Além disso, em casos nos quais se reconheça a gravidade da ilicitude, tais ataques podem ser considerados abuso de poder e dos meios de comunicação, levando à cassação do registro ou mandato do candidato, além de 8 anos de inelegibilidade a partir dessas eleições — diz.

Luiz Fernando Casagrande Pereira, coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), estima que a resolução do TSE a respeito da propagação de fake news pelos candidatos ainda seja “desconhecida”, mas passe a ser tornar cada vez mais popular ao longo da campanha eleitoral. No entendimento do especialista, essa aplicação maior das regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral deve vir acompanhada de uma menor tolerância a ataques feitos sobretudo ao sistema eleitoral.

— É importante frisar, contudo, que a Justiça Eleitoral não veda, nem proíbe, a expressão de críticas ou opiniões ao sistema de votação. O que se entende por ilícito de fake news contra o sistema eleitoral são aquelas afirmações sem fundamentos, que fazem acusações sem provas, buscando minar a credibilidade do processo de votação — aponta Casagrande Pereira.

O Globo