Fundador da Natura diz que golpe afetaria negócios
Foto: Claudio Belli / Valor
Signatário da Carta em defesa do Estado Democrático de Direito da USP, Pedro Luiz Passos, um dos fundadores da Natura, diz que a classe empresarial acordou para um risco de retrocesso institucional nestas eleições, com os questionamentos do presidente Jair Bolsonaro à segurança da urna eletrônica, e associa o engajamento a razões, inclusive, pragmáticas:
— A ruptura institucional no país penalizaria também o ambiente de negócios.
Qual a importância de assinar um manifesto pela democracia neste momento?
Acho que toda a população brasileira, a que está informada pelo menos, tem medo e vê risco de um retrocesso institucional. Para todos os segmentos: o cidadão comum, o empresarial, a cultura, as artes… A manifestação da sociedade civil neste momento é muito importante para evitar o retrocesso. Até então, essas manifestações não estavam coordenadas, mas dessa vez a adesão foi muito rápida.
Como interpretar a velocidade dessa adesão? Ela seria proporcional a uma percepção de risco de uma ruptura?
É um alerta da sociedade que não quer esse caminho. Não acredito na efetividade de um golpe com tanques na rua, como no passado. Vejo uma ruptura possível das instituições se a gente não respeitar o direito de voto dos cidadãos. O questionamento à urna eletrônica é absurdo e pode fragilizar a nossa democracia, fazer a gente retroceder.
Ao longo de toda a atual gestão, a sociedade civil divulgou uma série de notas de repúdio e manifestos. Mas esses movimentos não contavam com a adesão da classe empresarial, com algumas exceções. Isso mudou?
Vejo um movimento crescente de cidadania empresarial. Se não por outro motivo, há uma razão pragmática. Uma ruptura institucional no país penalizaria também o ambiente de negócios. É um momento difícil do país, mas é bonito ver diversos setores se manifestando suprapartidariamente, sem linha ideológica de esquerda ou de direita. Movimento que está falando que quer o caminho da democracia. Nossas lideranças empresariais mais históricas ficam um pouco distantes de manifestações por medo de represália ou de conflitos de interesse com acionistas. Mas hoje está evidente que também precisamos do empresário para corrigir o rumo de desrespeito às regras do jogo.
O senhor está engajado na candidatura da Simone Tebet. Apesar de contar com o apoio de lideranças empresariais, intelectuais e economistas, ela não sai dos 2%. O que falta para ela chegar na base da pirâmide?
Ela vai chegar nos dois dígitos, não tenho dúvida. Sinto que na medida em que a Simone vai ficando mais exposta, pessoas que não a conheciam passam a considerá-la para o primeiro turno. Acho que no primeiro turno a gente deveria aproveitar para expor ideias, discutir programa; isso a campanha da Simone traz, com gente jovem, moderna, que pensa no futuro do país. Acho que as pessoas deveriam usar o primeiro turno para escolher a opção que consideram a melhor. Aí no segundo você vota contra quem você não quer de jeito nenhum.
Paulo Guedes foi fundamental para atrair o empresariado para a candidatura de Jair Bolsonaro na eleição passada. Qual a sua avaliação da gestão do ministro da Economia?
A avaliação é não só do Paulo Guedes, mas da gestão como um todo: não entregou o que sinalizava nas eleições. Existem várias formas de estelionato eleitoral e essa é uma delas. Porque tinha uma agenda supostamente liberal que não foi liberal. Acho que é um pecado combater o liberalismo dizendo que Bolsonaro é liberal. Isso é tudo que ele não é. Ele é conservador populista. O Paulo Guedes, não sei se por razões internas, políticas, do próprio governo, não entregou o que prometeu. Temos que resolver o problema da desigualdade, saúde e educação. Mas isso não quer dizer que a gente não tenha que ter agenda moderna.
E o que seria uma agenda moderna?
Contempla uma preocupação social, o endereçamento da fome. Mas você também simplifica processos, faz uma alocação de recursos correta. E o Brasil tem muitos puxadinhos que tiram até a flexibilidade orçamentária… Porque temos 80% ou 90% do orçamento público que são despesas obrigatórias. O Brasil precisa se modernizar e se inserir no mundo. Fazer parte das grandes discussões ambientais, econômicas. Fazer acordos multilaterais, bilaterais. Tem que ter presença, ser voz a ser ouvido. O Brasil tem muito a entregar na pauta da agenda climática. Eu diria que a decepção é geral com esse governo.
O que explica uma parte expressiva do empresariado ainda apoiar o governo apesar desse diagnóstico de não ter entregue uma gestão liberal?
Em primeiro lugar, ele facilitou a vida do agronegócio. Eu falo do pequeno agronegócio. Porque as grandes empresas do setor agem dentro das regras do jogo. Mas a vida dos pequenos que exploram invasão, que exploram garimpo, ele facilitou, tirando recursos dos órgãos de controle, sobretudo na parte ambiental. Isso criou um falso liberalismo que atendeu algumas necessidades do pequeno e médio empresário. Então acho que hoje o apoio vem mais dos pequenos e médios do que das empresas mais estruturadas.
E para esse segmento, a pauta da liberação das armas é muito sensível.
Uma imprudência, para dizer o mínimo, facilitar a compra, despejar o número de armas que ele despejou e ter um povo armado, com a carência que se tem, com a presença do crime organizado. Um malfeito enorme para o país.
O que o senhor teme em uma eventual volta de Lula ao poder?
O PT está propondo uma agenda antiga para um mundo que mudou. E o país está em uma situação ainda mais grave. Fala-se na volta da intervenção do Estado. Quererem recompor a estatização da Petrobras, entrando em distribuição, refinarias. Já disse que não sou favorável ao Estado mínimo. Defendo um Estado que entrega serviço para a população. Mas o Estado operador, que Dilma (Rousseff) tanto gosta, que o Lula e o PT gostam, pode ser um tiro no pé. Imagina ser contra a lei de saneamento. Tem gente do PT que é contra. O setor público não entregou nada nessa área, por que manter a mesma direção? Estamos pagando a conta até hoje. A agenda do passado vai afundar o país.
Esse discurso mais radical é para ganhar eleição e, no poder, o Lula repetiria o primeiro mandato ou o senhor acha que ele deve entregar o que está prometendo na campanha?
Não sei se vai ser o Lula 1. O Lula é um líder inteligente e pragmático. Mas a verdade é que o governo dele deteriorou ainda no primeiro mandato; depois, veio o segundo. E Dilma 1 e 2, não precisa comentar. A verdade é que quando ele teve a liberdade para fazer a política dele, independentemente da pressão externa, ele errou. Fico com pé atrás de apostar que vai fazer diferente. Ele poderia vir a público para dizer o que quer fazer. No fundo, o PT e o Bolsonaro são muito parecidos em alguns aspectos. A política do atual governo para combustíveis lembra a intervenção da Dilma na Petrobras. Os dois são iliberais.