Há bolsonaristas até na terra de Lula
Foto: Luara Olívia – 20.jul.22/Folhapress
Assim como outros milhares de nordestinos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou Garanhuns, no agreste pernambucano, em 1952, em um caminhão pau-de-arara rumo a São Paulo. Era um retirante da fome.
Apesar de ter residência há mais de sete décadas em solo paulista, ele costuma reforçar em discursos os laços com a terra natal, seja nos dois mandatos como presidente ou depois de deixar o Planalto.
“Devo parte do que eu sou à minha mãe, uma nordestina de Garanhuns que teve a coragem de colocar oito filhos num pau-de-arara e sobreviver em São Paulo. […] Ela cuidou dos oito filhos sozinha e conseguiu até fazer com que um deles chegasse à Presidência”, disse Lula em Apodi (RN), em 2005.
Na “Suíça pernambucana”, como é conhecida a cidade de invernos severos, o PT venceu todas as eleições presidenciais nos dois turnos desde 2002, quando o petista chegou ao Planalto pela primeira vez.
Neste ano, o ex-presidente lidera as pesquisas de intenção de voto à Presidência. Marcou 47% na mais recente sondagem do Datafolha, à frente do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), que obteve 29%.
A casa em que Lula nasceu ficava na área rural de Caetés, distrito que depois foi elevado à condição de município, e possuía uma sala, um quarto e uma cozinha, com fogão a lenha. Uma réplica do local foi erguida por militantes do PT e parentes de Lula que vivem em Garanhuns e Caetés.
Uma das realizações do governo Lula no município foi a construção de casas populares por meio do Minha Casa, Minha Vida —o bairro Dom Helder Câmara, em homenagem ao arcebispo emérito de Olinda e Recife, é conhecido como Lulão porque a entrega das casas ocorreu em 2008, na gestão do petista.
O pedreiro e carroceiro José Antônio, 51, mora no bairro desde a inauguração dos imóveis e se diz um admirador do ex-presidente. “Se Lula voltar, vai fazer melhor do que já fez. Na minha família, todos votam em Lula”, afirma ele, que se queixa dos altos preços dos alimentos nos mercados.
“O que recebo não dá. Não tem emprego, nem serviço aparece. A gente passa o cartão do Bolsa Família e faz uma feirinha no mercadinho”, diz o beneficiário do Auxílio Brasil, referindo-se ao programa com o nome da era PT.
Apesar da memória de contornos positivos do período de Lula no Planalto, há muitos problemas no bairro: falta saneamento básico, esgoto a céu aberto, buracos nas ruas e casos de violência na parte da noite.
Outra região de Garanhuns beneficiada pelo programa habitacional foi a área rural, que abriga pouco mais de 10% da população total do município, de acordo com o último Censo, de 2010.
No sítio em que mora o casal de feirantes Juarez, 48, e Vanessa Batista, 46, a comunidade tem simpatia por Lula. Segundo eles, os vizinhos afirmam acreditar que, antes, as condições econômicas eram mais favoráveis.
“Vamos votar em Lula. Lá no sítio não tem Bolsonaro, não. Lula deu a casa da gente e do povo do sítio pelo Minha Casa, Minha Vida. Antes, a gente morava em casa de taipa. A gente paga impostos, mas quem fez algo foi Lula. Bolsonaro só fez para os ricos”, diz Vanessa, que vende frutas e verduras com o marido.
O município também conta com a Ufape (Universidade Federal do Agreste Pernambucano) —antes chamada de campus Garanhuns da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), inaugurada por Lula. São sete cursos de graduação, dois de especialização e três de pós-graduação.
“Antes dos governos petistas, a gente só tinha curso para se tornar professor. Se quisesse ser qualquer outra coisa, tinha que sair daqui. E muitas pessoas não tinham condições financeiras e estruturais para ir a outra cidade”, afirma a vereadora Fany Bernal, eleita pelo PT e hoje sem partido.
A maioria das pessoas ouvidas pela Folha em Garanhuns, tanto lulistas quanto bolsonaristas, relatou acompanhar a política predominantemente pela televisão e pelas redes sociais, incluindo o WhatsApp.
Os principais pontos de circulação estão nas áreas de comércio. Em uma delas, a avenida Santo Antônio, toalhas com imagens de Lula e Bolsonaro são vendidas —comerciantes dizem que as do petista são as que mais saem.
À reportagem foram comuns declarações espontâneas de apoio ao ex-presidente, e o voto afetivo é uma das razões, devido à ligação umbilical do político com a cidade.
Em outra linha, um dos eleitores que Lula conquistou em 2022 em Garanhuns é o aposentado Zito Silva, 66. Ele diz que, em 2018, estava descrente da política e nem sequer foi às urnas. Justificou o voto. No entanto, em 2022, afirma que votará em Lula, com o intuito de derrotar Bolsonaro.
Ele, porém, teme que o atual presidente dê um golpe caso seja derrotado. “Se Bolsonaro perder, vai fazer igual a Trump nos Estados Unidos”, diz, lembrando a invasão do Capitólio por apoiadores do ex-líder americano.
A autônoma Dirlen Lopes, 41, fez o movimento inverso. Evangélica, ela já foi eleitora de Lula e de partidos de esquerda, mas, desde 2018, fez a migração para a direita, de onde afirma que não pretende mais sair.
“Tem essa fama de que Garanhuns é a terra de Lula, mas Garanhuns é a terra de pessoas conservadoras. As pessoas estão percebendo qual é a realidade da esquerda e não querem mais seguir isso.”
O vereador bolsonarista Thiago Paes (PL) diz que Lula fez medidas que ajudaram a população, como os programas de transferência de renda, mas se associou à corrupção. “Fez coisas boas, só que por trás tinha favorecimento ao sistema de corrupção do PT. Ajudavam aqui e tiravam a quantia maior para eles.”