Militares mostram confiança nas urnas eletrônicas
Foto: Wilton Junior/Estadão
Representantes das Forças Armadas já discutem como realizar uma contagem paralela de votos nas eleições deste ano – medida que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem cobrado desde abril. Em conversas reservadas, integrantes do Ministério da Defesa admitiram, pela primeira vez, que estão se preparando para a tarefa. O mais provável até agora é que uma contagem patrocinada pelos militares use os boletins impressos pelas urnas eletrônicas após o encerramento da votação
Além dos boletins de urna (BUs), outra alternativa avaliada para a contagem paralela seria ter acesso a dados retransmitidos pelos tribunais regionais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os boletins de urna são registros do resultado de cada equipamento, impressos ao fim da votação. Indicam a quantidade de votos recebida por candidato e partido, nulos e brancos. Internamente, esses votos ficam registrados digitalmente na mídia das urnas, embaralhados para impedir a identificação do eleitor e criptografados.
Militares lotados no comando da Defesa, que têm acompanhado o processo de fiscalização das urnas junto ao TSE, afirmam que a decisão de realizar a totalização de votos por conta própria ainda não foi oficializada, tampouco comunicada ao TSE. Segundo um general, tudo depende de uma decisão política a ser transmitida pelo ministro da pasta, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Comandante supremo das Forças Armadas, Bolsonaro insiste na contagem paralela pela Defesa.
O “acompanhamento da totalização”, como vem sendo chamado na Defesa, seria parte do plano de fiscalização dos militares, que montaram uma equipe própria para a tarefa, formada por dez oficiais da ativa do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A Defesa afirma que age de forma técnica para contribuir com o aperfeiçoamento da segurança e transparência do sistema. Os argumentos costumam abastecer a campanha política de descrédito das eleições empreendida por Bolsonaro.
A proposta foi sintetizada pelo presidente, em 27 de abril, durante cerimônia oficial no Palácio do Planalto. Na ocasião, ele defendeu pela primeira vez em público que as Forças Armadas contassem os votos paralelamente à Justiça Eleitoral. Segundo o presidente, essa sugestão havia partido dos militares.
A soma de votos pelas Forças Armadas é uma missão não prevista na Constituição nem nas diretrizes de Defesa Nacional. A Corte Eleitoral tem a missão exclusiva de promover as eleições, apurar e proclamar o resultado. Bolsonaro chegou a sugerir que a apuração seja semelhante à da Mega Sena.
O TSE já desmentiu que a apuração seja terceirizada ou realizada numa “sala secreta”. Por recomendação da Polícia Federal, a totalização é feita na sede da Corte, usando um supercomputador fornecido por uma multinacional de tecnologia, instalado na sala-cofre do TSE e operado por funcionários especializados do Judiciário.
Os dados com a parcial de votos apurada em cada urna, registrados em mídias, são transmitidos a Brasília não pela internet comum, mas sim por meio de uma rede dedicada de acesso restrito, com criptografia e uma série de barreiras de segurança. Nunca houve divergências no resultado.
Os militares entendem que a apuração por conta própria, a partir de dados oficiais do TSE, é parte das atividades de auditoria possíveis.
O TSE decidiu publicar todos os boletins de urna online com códigos QR, como forma de ampliar a transparência. Com isso, os militares e outras entidades fiscalizadoras, como partidos e Ministério Público, poderão consultar imediatamente os votos apurados e fazer somatórios independentes. Os militares argumentam que a apuração paralela, com a publicação dos boletins de urna na internet, pode ser feita por qualquer cidadão e se daria dentro das regras de fiscalização estabelecidas pelo TSE.
A resolução da Corte em vigor, aprovada em dezembro de 2021, prevê oito momentos de atuação das entidades. A última etapa é justamente após a totalização das eleições. É facultada então a “verificação da correção da contabilização dos votos, por meio da comparação com os BUs impressos”.
A equipe das Forças Armadas pediu ao TSE cópia das bases de dados dos BUs e seu formato de publicação na internet em eleições de 2014 e 2018, para poder estimar o esforço do desenvolvimento de programas de análise e modelagem dos boletins.
Se optarem por esse caminho, a ideia inicial dos militares é conferir apenas uma amostragem representativa e não todas as zonas eleitorais do País. Durante as discussões na Comissão de Transparência Eleitoral, eles sugeriram a possibilidade de transmissão do conjunto de dados, para processamento da contagem por conta própria em mais de uma zona eleitoral ao mesmo tempo.
O presidente Jair Bolsonaro já disse publicamente mais de uma vez que deseja ver os militares realizando uma contagem de votos, missão que não é atribuição das Forças Armadas. Atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto, o presidente promove, mesmo sem provas, uma campanha de desconfiança sobre o Tribunal Superior Eleitoral e o sistema eletrônico de votação.
A Polícia Federal já declarou publicamente que nunca encontrou indícios de fraude envolvendo urnas eletrônicas e que os registros de irregularidades foram detectados quando os votos ainda eram em cédula de papel.
De acordo com Bolsonaro, o método do TSE não tem transparência. Mesmo sem apresentar provas, ele sustenta que houve fraudes nas eleições de 2014 e de 2018.
Além da contagem paralela de votos pelas Forças Armadas, os militares pressionam para que o TSE adote mudanças em duas fases anteriores, relacionadas a testes de segurança das urnas.