Primeira entrevista de Lula em 2002 foi ao JN
Foto: Reprodução/TV Globo
Um dia após ser eleito em 2002, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu o “Jornal Nacional” (TV Globo) para conceder sua primeira grande entrevista. Ele foi recebido pelo jornalista William Bonner, que o cumprimentou e comandou uma edição especial do telejornal na redação da emissora em São Paulo.
Na ocasião, o tom foi emotivo, e Lula inclusive prometia revelar os nomes de sua equipe de governo em “primeira mão” para o telejornal, como relatou o jornal Folha de S.Paulo à época. Ao longo do tempo, porém, a relação entre o petista e o telejornal foi ficando cada vez mais tensa.
O ápice das animosidades veio na cobertura da Operação Lava Jato, que tinha em Lula um dos principais alvos. Há anos, Lula tem externado o desejo de que Bonner e a emissora lhe peçam desculpas. “Eu não vou morrer enquanto não me pedirem desculpas. Eu quero ouvir o William Bonner pedindo desculpas na Globo”, disse à Folha em dezembro de 2017, indicando que a emissora falava “mentiras” a seu respeito.
O ímpeto do petista contra a emissora não arrefeceu nos últimos tempos. Em março deste ano, o ex-presidente fez uma nova cobrança pública de desculpas para o jornalista e a Globo, dessa vez por meio do Twitter. Hoje, Lula terá um novo encontro com Bonner, o primeiro na condição de presidenciável desde 2006. Como foi a relação de Lula com a Globo? O primeiro grande embate do petista com a emissora deu-se em 1989, quando Lula disputou o segundo turno da eleição presidencial com Fernando Collor. No segundo turno, os dois tiveram um debate —que teria recebido uma edição enviesada em telejornais da Globo, prejudicando o petista —que chegou a falar em “mutreta” ao se referir à situação.
Quando Lula foi eleito presidente em 2002, todavia, a relação com a Globo era amistosa. A sabatina daquela campanha, no “Jornal Nacional”, correu sem momentos ásperos.
O clima começou a piorar a partir de 2005, quando ganharam corpo na Justiça as denúncias do mensalão. O assunto dominou a sabatina de Lula na campanha à reeleição em 2006, e, a partir desse ponto, o ex-presidente e seus seguidores passaram a se queixar com frequência de coberturas da imprensa, em especial da Globo.
Uma nova onda de tensão veio com a Operação Lava Jato. Com a exposição frequente de petistas nos telejornais da Globo a partir de 2016, ano também marcado pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Lula voltou a subir o tom. O discurso forte contra a emissora se manteve antes, durante e depois da prisão do petista na Lava Jato.
Como foram as sabatinas anteriores com Lula? Foram amenas. Lula passou por duas entrevistas como candidato ao Planalto, em 2002 e 2006. Em ambos os encontros, ele foi sabatinado por Bonner e Fátima Bernardes.
Em 2002, Lula foi questionado sobre pontos como a falta de experiência no Executivo e suspeitas de corrupção que começavam a envolver o PT, mas o clima geral do debate foi amistoso. O petista chegou a elogiar Fátima pela atuação dela na cobertura da Copa do Mundo daquele ano, vencida pela seleção brasileira.
Quatro anos depois, quando Lula buscava a reeleição, a entrevista ocorreu no Palácio do Planalto. Logo de início, Bonner interpelou Lula sobre o caso do mensalão e o tema ocupou mais da metade da entrevista, mas não houve falas ríspidas. O então presidente afirmou que não sabia da corrupção no governo e que dava independência às investigações.
Como foi a relação após Lula deixar o governo? Tendo encerrado o mandato com 83% de aprovação, segundo o Ibope, Lula só voltou a subir o tom contra a emissora e a imprensa em geral quando entrou na mira da Operação Lava Jato, em 2016.
Naquele ano, quando foi alvo de uma operação da PF (Polícia Federal) pela primeira vez, ele chegou a ir à Justiça pedir direito de resposta a uma reportagem do “Jornal Nacional” que detalhava as suspeitas sobre o tríplex do Guarujá. O pedido acabou negado.
Já em 2017, quando o então deputado Jair Bolsonaro começou a se destacar como presidenciável, Lula afirmou que a ascensão dele era “resultado da política de ódio despejada pela Globo na política”. Dias antes, Lula havia afirmado que a Globo mentia a seu respeito.
Lula manteve os ataques à empresa após ser preso pela Lava Jato, em abril de 2018. Quando estava detido, deu entrevista a um jornal argentino e responsabilizou a emissora pela manutenção de sua prisão.
Há dez anos, ela [Globo] conta mentiras sobre mim. Há uma grande pressão da imprensa brasileira, especialmente da Globo, para que Lula não saia da prisãoLula, em entrevista ao jornal argentino Página 12, em setembro de 2019
Para a pesquisadora Mara Telles, professora de Ciência Política na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), os ataques de Lula e do PT à Globo decorrem da percepção de que coberturas como a do mensalão e da Lava Jato ajudaram colar na legenda a imagem da corrupção.
“A relação foi se deteriorando à medida que a exposição desses casos contribuiu para a formação de uma opinião negativa contra Lula e contra o partido”, avalia a professora, que é presidente da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais).
Como está a relação nos últimos tempos? Ao sair da prisão em Curitiba, em novembro de 2019, Lula não reduziu os ataques. Um dia após ser colocado em liberdade, em ato no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o petista reclamou da falta de cobertura da emissora ao caso Vaza Jato, que expôs mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol.
Mas, no ano passado, Lula elogiou a cobertura do “Jornal Nacional” no julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a suspeição de Moro na Lava Jato. Em discurso em São Bernardo, ele afirmou que aquela edição do telejornal havia sido “épica”.
Embora ataque o jornalismo da Globo, Lula tem buscado angariar apoio com o entretenimento da emissora. O petista já fez mais de um comentário sobre a novela “Pantanal”, que ocupa o horário nobre da emissora e repercute nas redes sociais. No final de julho, por exemplo, o petista afirmou que ele a mulher, Janja, parecem Jove e Juma, casal da novela.
Nesta noite, em meio a esse histórico de tensão dos últimos anos, fica a expectativa sobre como será o comportamento de Lula ao se encontrar com Bonner.