Brasil começará a importar armas ruins
Foto: Diego Vara/Reuters
A minuta que tira do Exército a atribuição de fiscalizar a importação de armas de fogo abre caminho para que o País vire destino de armamento de baixa qualidade, disse ao Estadão o diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. A medida, segundo ele, sinaliza para o esgotamento do modelo de ampliação dos registros de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), que ultrapassou a marca de um milhão no governo de Jair Bolsonaro (PL). A demanda proveniente dessa categoria, que é regulada pelo Exército, superou a capacidade e estrutura de inspeção da instituição, que agora se prepara para abrir mão do controle de qualidade, aponta o especialista.
Como revelou o Estadão, a proposta do Exército é substituir a fiscalização por um documento internacional que atestaria a segurança dos equipamentos de acordo com as exigências em vigor no país de origem. A medida aliviaria a carga sobre a instituição porque um volume expressivo de CACs opta por produtos importados – a minuta não altera o controle sobre os nacionais. “A arma dos sonhos desses compradores é uma Glock, não uma Taurus”, observa Lima.
As queixas contra a indústria nacional são recorrentes entre apoiadores de Bolsonaro. O filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), costuma apresentar nas redes sociais marcas e modelos que conhece em viagens pelo exterior e reclamar do tempo de espera para a aprovação da importação no Brasil.
Ao abrir mão da fiscalização própria e aceitar um documento internacional, o Brasil pode virar o depositório de produtos que não seriam aceitos em outros países, avalia o diretor do Fórum de Segurança Pública.
“Muitas vezes, a arma considerada boa para um país não passa no teste de qualidade de outro. A nossa indústria comercializa um tipo de armamento aqui e vende produtos de melhor qualidade, com mais exigências técnicas nos Estados Unidos, por exemplo. O Brasil vai acabar virando um reduto de armas de péssima qualidade, e isso piora ainda mais o nosso cenário de segurança pública”, afirma.
Levantamento acessado pelo Estadão mostra que o acervo de armamentos em posse dos CACs no Brasil subiu de 350.683, em dezembro de 2018, para 1.006.725 em julho deste ano, um aumento de 187%. Enquanto a autorização para a posse é concedida pela Polícia Federal, o controle para caçadores, atiradores e colecionadores é feito pelo Exército, que submete as importações a um rígido processo de certificação nacional.
“O que o Exército está dizendo é: não dou conta”, afirma Lima. Sem conseguir aprovar no Congresso alterações significativas no estatuto do desarmamento, que regulamenta o porte, o governo Bolsonaro editou uma série de decretos para facilitar o acesso a armas de fogo e munição por parte dos CACs. “A portaria pode fazer com que o Brasil vire o paraíso de armas de segunda linha, pois junta a política armamentista do governo com uma redução da fiscalização de qualidade”, diz.
Procurados, o Ministério da Defesa e o Exército ainda não se manifestaram. A Taurus, principal fabricante brasileira, foi procurada para comentar a suposta prática de vender produtos de melhor qualidade a países com mais exigências técnicas, mas não respondeu até a publicação deste texto.