Crise política gera diáspora no país

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Foto: Bao Menglong/Unsplash

A crise política e o acirramento de ânimos que antecedem as eleições de 2022 fizeram crescer a onda de brasileiros que saem do país para tentar a vida no exterior. Segundo os dados mais recentes do Ministério das Relações Exteriores, o número de brasileiros morando em outras nações saltou de 1.898.762 em 2012 para 4.215.800 em 2020, o que corresponde a um aumento de mais de 20%.

Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, um clima de insatisfação com a política brasileira começou a aflorar. No entanto, os conflitos se intensificaram ainda mais em 2018, ano das últimas eleições gerais.

A professora de relações internacionais da USP Rossana Rocha avalia que o clima generalizado de insatisfação e desesperança causado pela crise política é um dos principais fatores para a mudança de brasileiros ao exterior.

“Eu acho que imigração envolve muito as expectativas de vida. Então, quando você tem essas expectativas frustradas e pouca esperança de que as coisas vão mudar, a tendência é a imigração aumentar. Para as pessoas optarem por sair do país, elas têm que achar que não há perspectiva de melhora”, explica a especialista em imigração.

Para o cientista social da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, o Brasil tem sido afetado por uma combinação de crises nos últimos anos: econômica, pandêmica e política. Tal conjuntura tensiona o ambiente institucional e torna a polarização ainda mais acirrada.

“Momentos de crise, quando se encontram, acabam promovendo um ambiente de muita dificuldade para as pessoas se relacionarem e viverem bem. Então, essa combinação de crises gera um grande impacto na vida das pessoas”, contextualiza Rodrigo.

De acordo com o Itamaraty, América do Norte e Europa são os continentes que reúnem a maior comunidade de brasileiros. Já entre os países mais procurados, estão Estados Unidos, Portugal e Paraguai.

Além dos que tiveram condições de debandar do país, um grande número de pessoas sente vontade de migrar para o exterior. Segundo o estudo de Ana Couto “Branding Brasil – O valor que o país gera”, que avalia a percepção dos brasileiros sobre a nação, 48% dos entrevistados deixariam o país se tivessem oportunidade.

A advogada e mestre em sociologia pela Universidade de Lisboa destaca que um emigrante que está de forma regular em um país estrangeiro possui os mesmos direitos que um local, ou seja, acesso a quesitos como saúde, educação, segurança social, transporte público, entre outros.

Em 2022, todos os países do globo, com exceção da Coreia do Norte, já flexibilizaram a entrada de brasileiros no território. De uma maneira geral, eles exigem que o imigrante apresente o certificado de vacinação da Covid-19 e o teste de PCR até 72 horas antes do voo.

A empresária Angélica Salum, 48 anos, mudou-se de Minas Gerais para Portugal por não se sentir feliz com a situação política do Brasil. “Eu deixei o meu país de origem para recuperar minha sanidade mental, desgastada pela falta de comprometimento e responsabilidade política desse desgoverno, além de poder permitir à minha família uma vida com melhores condições”, esclarece ela.

A vontade dela e do marido era se mudar do país com as duas filhas antes da pandemia. Os planos, no entanto, tiveram que ser adiados até que a crise sanitária se estabilizasse. Agora em solo português, ela se sente aliviada por não precisar mais conviver com as incertezas da política brasileira.

“Resumiria a política brasileira como uma grave doença, que não tem cura e não se vê luz ao fim do túnel. Perdeu-se a essência, o propósito de política, não há preocupação com o coletivo e não se busca o bem comum”, comenta Angélica.

O impacto da polarização política foi tão grande que fez com que a empresária rompesse laços com o país. “Não pretendo voltar ao Brasil tão cedo, nem para férias. Estou extremamente feliz, satisfeita, segura e em paz aqui. Não existe lugar perfeito, mas vejo em Portugal uma preocupação de todos, pelo bem comum, independentemente da sua situação socioeconômica”, conta.

Há várias razões que podem motivar uma pessoa a deixar o país de origem. Rossana Rocha aponta que as justificativas podem ser econômicas, políticas, culturais e voltadas para o aprendizado. Além disso, a especialista afirma que o perfil dos fluxos migratórios, em geral, é composto por jovens com boa formação e pessoas mais velhas com boas condições financeiras.

“As pessoas não querem só sobreviver, mas também querem se desenvolver, aspirar sonhos e realização. E acho que, hoje em dia, sonhar está ficando mais difícil, para os jovens principalmente. Também tem um outro grupo menor, mas representativo, de pessoas mais velhas que já estão aposentadas ou podem trabalhar de home office, e resolveram mudar de país por acharem que lá podem ter uma vida mais tranquila”, comenta a internacionalista.

Rodrigo Pandro separa os tipos de imigração em dois: a migração forçada e a voluntária. A primeira é quando indivíduos se retiram em massa de um país por conta de guerras, catástrofes naturais ou perseguição política na tentativa de buscar melhores condições de vida. Já a migração voluntária ocorre quando a pessoa sai não por necessidade, mas por acreditar que pode encontrar mais qualidade de vida em outro lugar.

O profissional ressalta que o perfil dos migrantes desse segundo caso abrange apenas uma minoria da população brasileira: pessoas com alto poder aquisitivo e educação cultural.

“A saída de um país é sempre difícil e não é algo acessível à maioria dos brasileiros. Aqueles que têm condições de voluntariamente mudar – seja por questão de trabalho, estudo, segurança, um clima político mais ameno – são pessoas com boas condições. Deixar o país onde se nasceu tem um custo financeiro, afetivo, emocional”, completa o cientista político.

O professor Arthur Eugênio, 26 anos, e a namorada aproveitaram o momento caótico para colocar em prática o projeto de estudar fora do país. Em outubro de 2021, eles se mudaram para Dublin, na Irlanda. “Nós tínhamos uma boa vida, mas sentíamos uma monotonia grande e estávamos insatisfeitos com os rumos políticos que o país estava levando, então não quisemos desperdiçar a oportunidade de vir para cá”, conta Arthur.

Mesmo longe, eles ainda são engajados politicamente e vão exercer o direito como cidadãos de votar para presidente. Ambos têm vontade de retornar ao país de origem quando a situação política melhorar.

A pedagoga Flavia Coen, 35 anos, também saiu do Brasil em razão da oportunidade de mestrado do marido. A possibilidade de morar em Portugal já estava sendo estudada pela família, mas, com a pandemia e os temores relacionados às eleições, eles decidiram que agosto de 2021 seria o momento certo.

“Pensando nos anos das eleições, estávamos com incerteza em relação a como o país ficaria, se teríamos o nosso emprego seguro. Queríamos nos prevenir dos eventuais problemas que poderiam surgir depois das eleições. Já estávamos pensando no futuro”, justifica Flavia.

Apesar de não querer voltar a morar no Brasil, a pedagoga não perdeu a ligação com o país e continua querendo que ele prospere nos mais diversos âmbitos. Por isso, ela requisitou o voto em trânsito para o consulado no Porto.

Às vésperas das eleições de 2022, o medo da violência, os desentendimentos familiares e os conflitos políticos voltam a preocupar. “Acho que qualquer um que for eleito vai fazer com que uma parte da população fique frustrada e, se for possível, queira sair do país. Eu acho que ainda vai demorar um tempo para o brasileiro fazer as pazes com o país”, projeta Rossana Rocha.

Na visão de Rodrigo Pandro, a já familiar frase “Se fulano vencer, eu deixo o país” muitas vezes é usada como discurso político, para pressionar e acirrar os ânimos. “Para ter certeza se a saída de brasileiros aumentará por motivações políticas, precisamos aguardar os próximos capítulos. Só assim poderemos saber se é mera retórica ou se é um desejo que de fato vai se concretizar”, conclui o especialista.

Metrópoles